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O RENOVADO CHICO BUARQUE DE SEMPRE


Por Fernando Molica em 27 de julho de 2011 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 27/6:

Há alguns anos, meu filho mais velho, então adolescente, chegou espantado. Acabara de conhecer ‘Eu te amo’, música de Tom Jobim com letra de Chico Buarque, e ficara impactado com os versos “Meu paletó enlaça o teu vestido/E o meu sapato inda pisa no teu”. Feliz com a descoberta, apenas murmurei algo como “Pois é, é o Chico Buarque”.

Hoje, continuo a me emocionar com essa e outras músicas do sujeito que é, para muita gente, o melhor intérprete de sonhos, alegrias, desilusões, angústias, protestos e amores. Quando jovem, aguardava ansioso a chegada de cada novo disco do já então meu compositor favorito. Decifrar metáforas e encontrar nas entrelinhas algum protesto que conseguira escapar dos censores dava mais ânimo para esperar o amanhã, o outro dia que viria após a queda da ditadura.

Não deixo de me surpreender com sua capacidade de, nas letras, produzir dribles simples e sofisticados, fintas que só os craques sabem inventar e fazer. Ao duvidar da sinceridade da musa, diz não saber se ela chora “dos olhos pra fora”; ao interpretar a mágoa de uma mulher abandonada, a faz confessar que seu ódio era uma forma de adorar o amado “pelo avesso”. Em outra música, a vítima de um marido controlador, inverte o padrão de comportamento e dispara para o companheiro: “Te perdoo/Por te trair”. Em ‘Grande Hotel’, composta com Wilson das Neves, o narrador não diz que a amante passa diante da TV; ele a vê “atravessando a novela”. Isto sem falar no cara que, desencantado com o amor, admite mudar de calçada “quando aparece uma flor”. Em ‘Biscate’, Chico criou um efeito percussivo com a repetição dos sons “ti/te/de” e “que”: “Quem que te mandou tomar conhaque/Com o tíquete que te dei pro leite”. Soa como um reco-reco ou um chocalho. Eu seria feliz o resto da vida se tivesse composto ‘Futuros amantes’ — aqueles que “Se amarão sem saber/ Com o amor que eu um dia/Deixei pra você”.

O lançamento do novo CD cria expectativa — será bom, ótimo, apenas regular? Comecei a ouvi-lo no domingo, gostei de umas canções, estranhei outras, sei que terei muito o que descobrir. Hoje, percebi que Chico enfiou um caco num verso de ‘Barafunda’. Ao repetir “E salve este samba antes que o esquecimento”, ele achou um espaço para incluir a palavra “uísque” no verso. Ficou “(…) antes que o uísque, usquecimento/Baixe seu manto/Seu manto cinzento”. Uísque, manto cinzento — faz o maior sentido. Grande Chico!

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