O santo ofício da crônica esportiva
Por Fernando Molica em 28 de agosto de 2009 | Comentários (1)
Lá vou eu de novo falar de futebol. É que fiquei assustado, durante a semana, com sucessivos apelos à confissão dirigidos ao André Lima, o atacante alvinegro que, domingo passado, fez um gol com a mão no jogo contra o Corinthians. O jogo foi marcado por outros erros da arbitragem, que, em pelo menos três ocasiões, favoreceu o time paulista de forma escandalosa. Mas, no fim das contas, o que sobrou foi o pecaminoso gol com a mão. La mano de Dios de Maradona virou mão do capeta.
Nos últimos dias, jornais e programas de TV fizeram um cerco ao atacante do Botafogo: ele tinha que confessar a irregularidade, dar seu testemunho, ajoelhar no milho, pagar penitência. O cara acabou admitindo o gol com a mão, até porque seria impossível negá-lo. E o registro de seu testemunho – “Mea culpa! Mea culpa!” -, gravado, ao que parece, por uma câmera de celular, foi transmitido num programa esportivo como se fosse um documento histórico, algo tão relevante que merecia ir ao ar apesar da evidente falta de qualidade das imagens.
Li até que o sujeito está ameaçado pela tal justiça esportiva, pode ser suspenso, ficar de castigo, passar uma temporada no purgatório, sei lá. E olha que os agentes deste santo ofício esportivo não apontam também suas canetas e microfones para o Jorge Henrique, o atacante corintiano que simulou um pênalti de maneira acintosa, desabou na área sem que ninguém o tocasse. De acordo com nossos torquemadas, fazer gol com a mão deve ser pecado mortal; cavar pênalti, venial. Em breve, teremos padres e pastores nas cabines de transmissão, julgarão comportamentos, emitirão sentenças, gritarão para as arquibancadas: “Vai para a fogueira ou não vai?”
A imprensa, de um modo geral, tende ao udenismo (trabalhamos na lógica da ordem, da legalidade). Mas a imprensa esportiva costuma ser ainda mais radical em matéria de conservadorismo. As páginas esportivas são as únicas nos jornais onde sobrevive a palavra esposa. Homens da política, das artes, do meio empresarial têm mulheres; jogadores de futebol têm esposas. Como se esta palavra emprestasse um pouco mais de dignidade às jovens senhoras que arrastam os craques para o altar.
E, agora, alguns de meus colegas resolveram que jogador de futebol não pode infringir as regras dentro de campo. Não pode fazer gol com a mão, não pode cometer falta, não pode, não pode, não pode. É claro que não pode – é para isso, para coibir, para garantir a ordem, que juízes e bandeirinhas estão em campo. Eles é que devem se preocupar com a repressão à ilegalidade. São treinados e pagos para isso. A vigilância faz parte do jogo, assim como a tentativa de se burlar o controle. Gato e rato, Tom e Jerry – por aí.
Ao dar um soco na bola, o André Lima se arriscou a ser expulso de campo, não foi. O mesmo risco em que se colocou o Jorge Henrique ao cair na área como uma soprano em ato final de ópera. As tentativas foram bem sucedidas – o juiz e os bandeirinhas não viram a ilegalidade no gol alvinegro e caíram na encenação do corintiano. Pronto, acabou. Que o juiz seja afastado, punido, o escambau. Mas não exaltemos uma lógica persecutória, nada de sair por aí brandindo vídeo-tapes, tira-teimas, provas irrefutáveis. Nada de pedir punição aos jogadores que driblaram o controle da arbitragem, descartemos a cobrança para que eles se imolem, se flagelem. Daqui a pouco será pedido aos atletas que apitem as faltas que cometerem, apontem o dedo em sua própria direção (“Cavei o pênalti!”, “Chutei o saco do atacante!”, “Enfiei o dedo no rabo do zagueiro na hora do escanteio!”).
Futebol, e perdão por insistir no óbvio, é um jogo, uma atividade lúdica que se desenvolve em um determinado espaço e que é submetida a regras previamente acordadas. Respeitemos esta lógica e seus mecanismos de controle. Até porque a cobrança feroz em relação a gestos dentro de campo costuma dar lugar a uma excessiva tolerância com atitudes cometidas por jogadores fora das tais quatro linhas. Na prática, o Edmundo acabou socialmente anistiado pelas mortes que causou naquele acidente da Lagoa. O processo se arrasta num tribunal superior – se não me engano, ele apresentou uns sete recursos – e ele anda por aí, solto e impune, atração de camarotes no Carnaval e de revistas de personalidades.
Prezado Molica, boa tarde. Cabia aos nossos intrépidos repórteres esportivos abordarem, sim, o Jorge Henrique sobre o pênalti cavado. A diferença está na relação entre os clubes. Lá no corinthians, certamente existem regras e orientações para os jogadores. Numa situação destas (quando há cavada clara do pênalti), o jogador se esquiva da imprensa. Quando dá o intervalo ou termina o jogo, ele sai correndo p o vestiário e ignora a imprensa. Os jogadores dos clubes do Rio, perdidos dentro e fora do campo, estão sempre tontos e são duramente abordados. Por favor, não estou querendo dizer q o certo é se esquivar da imprensa. O que digo é que existe o chamado comportamento institucional, no qual o bom profissional se preocupa em proteger o clube, a situação (se está favorável, é claro). Mas como por aqui (RJ) tudo é meio amador, acaba ocorrendo o q vc narrou acima. O Lima sendo massacrado e o JHenrique passando batido pelo problema. e vamos q vamos. grande abraço.
paulo gramado