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O tempo de um velho Francisco


Por Fernando Molica em 27 de janeiro de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 25/01:

A dica vem logo na primeira música. Ao abrir seu ótimo show com ‘O velho Francisco’, Chico Buarque, que em junho completará 68 anos, faz uma autoironia — ele, um Francisco, está chegando aos 70 — e inicia uma deliciosa conversa sobre o tempo. Isto, no momento em que o discreto compositor assume seu namoro com a cantora Thaís Gulin, 31 anos, que inspirou ‘Essa pequena’, uma das músicas de seu novo CD. A palavra ‘pequena’ revela outra brincadeira: só os mais velhos a utilizam como sinônimo de jovem. O mesmo Chico que, na canção, admite ser curto o seu tempo demonstra tranquilidade ao encarar a passagem de tantos anos quando apresenta uma nova versão para o infinito enquanto dure de Vinicius de Moraes: “Temo que não dure muito a nossa novela, mas / Eu sou tão feliz com ela.”

Protagonista e parceiro de jornadas que se estendem por cinco décadas da vida brasileira, Chico faz no show uma espécie de balanço de tantas histórias. Histórias perenes, ligadas aos amores de cada um; histórias mutantes — o ‘Cálice’ lapidado com Milton Nascimento em protesto contra a ditadura derrama, nos versos do rapper Criolo, o apelo da periferia paulistana, pois “na quebrada escorre sangue”. Em ‘Anos dourados’, confessa dúvidas sobre um amor passado, em ‘Desalento’ (composta com Vinicius), admite ter rodado, bebido, caído, que só sabe ter cansado dos seus desencontros. Isso, antes de concluir: “Corre e diz a ela / Que eu entrego os pontos”.

Na espetacular ‘Todo sentimento’ (com Cristóvão Bastos), as dúvidas sobre o fim de uma relação fazem com que a palavra “tempo” seja citada cinco vezes. Ele passa da urgência de descobrir um tempo de amar à placidez da busca de um “tempo da delicadeza”, “Onde não diremos nada / Nada aconteceu / Apenas seguirei, como encantado / Ao lado teu”.

No fim das contas, Chico mostra o quanto é inútil brigar com o tempo. Ao lado de sua pequena, 36 anos mais nova, não canta ‘Apesar de você’, mas é como, se a cada música, ressaltasse que, mesmo que nada dê muito certo hoje, amanhã será sempre outro dia. No bis, diz para a amada não se afobar, pois futuros amantes poderão se aproveitar daquele amor deixado num fundo de algum armário, na posta-restante. Palmas para o artista que, ao encerrar o show com ‘Na carreira’ (com Edu Lobo), aposta no incerto tempo que vem pela frente: “Arte de deixar algum lugar / Quando não se tem pra onde ir”.

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