O touro que não soube qual era o seu lugar
Por Fernando Molica em 12 de julho de 2016 | Comentários (0)
Esta tradição espanhola de matar o touro e a mãe do touro que mata um toureiro dá margem a várias interpretações. Por óbvio, é preciso haver touros para que haja touradas, touros que são criados para atacar picadores e toureiros. Na luta, metáfora explícita sobre o embate entre natureza e civilização, um lados – o que se apresenta vestido com as cores da ordem e da racionalidade – tem muitas vantagens sobre o que foi rotulado como representante da brutalidade e dos instintos.
Contra o touro é formada uma cuadrilla, alinham-se picadores, cavalos, banderilleros e, por fim, o toureiro. É muita gente envolvida contra o bicho que, pelo roteiro e pelas condições da luta, tem mais é que não encher o saco e tratar de se deixar matar. Mas, de vez em quando, muito de vez em quando, o animal dá um jeito de se safar e, mesmo ferido, humilhado, enfraquecido, vira o jogo e mata o toureiro.
Uma vitória que vale muito pouco – não apenas o toro asesino será morto, mas também sua genitora, isto, para acabar com aquela linhagem amaldiçoada. Não economizemos nas metáforas: necessário para o espetáculo, o touro é jogado na arena, é ferido e provocado. Mas ai dele se ousar ganhar a parada – será morto e, anota aí, dr. Freud, causará o assassinato da mãe. No caso em questão, sobrou pro Lorenzo e pra vaca Lorenza, ambos já estão a pastar nos infinitos campos do céu.
Desenhando: o melhor é o que touro cumpra o script, não brigue tanto assim. Que trate de entender que seu papel é apenas o de colaborar para dar legitimidade ao processo, para fingir que a disputa é limpa e justa.
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Por falar nisso: na Copa de 1982, disputada na Espanha, o alvinegro Sandro Moreyra contou, no JB, uma história espetacular. Escreveu sobre os brasileiros que, no intervalo entre um jogo e outro, foram a uma tourada e – suprema heresia – começaram a torcer pelo touro. Suas mães não foram mortas, mas foram devidamente xingadas. Hoje, sei não, era bem capaz de os brazucas começarem a dar porrada no touro antes mesmo de o bicho ser solto na arena.