Obama é negro
Por Fernando Molica em 09 de novembro de 2008 | Comentários (3)
Mais uma implicância: sempre achei meio esquisito o padrão norte-americano de classificar como negra qualquer pessoa, por mais branca que fosse, que tivesse algum antepassado negro. A lógica parecia ser a da contaminação: uma gota de sangue “neutro” seria suficiente para derrubar uma certa pureza branca.
O problema é que não havia um mecanismo inverso: um negro, por mais por mais negro que fosse, não seria considerado branco mesmo se tivesse um ou mais antepassados brancos. O processo só servia para discriminar, para ressaltar a “contaminação” de uma linhagem até então branca. Esta lógica serviu também para impedir a existência do mestiço, tão presente aqui no Brasil. Lá, ao contrário daqui, ou se era preto ou branco.
O movimento negro americano soube usar a discriminação a seu favor: se mestiço é negro, o número de negros seria maior. Isso ajudou a aumentar a força política-institucional da luta, inclusive na criação de políticas afirmativas, como a das cotas em universidades.
No Brasil, de certa forma, se dá o mesmo: o IBGE trabalha com, entre outras, as classificações de branco, pardo e preto. Só que pardos e pretos são somados na categoria “negros”. Uma classificação meio questionável mas que, a exemplo do que ocorreu nos EUA, serve para dar maior força política ao grupo. Talvez o mais correto seria tratar os pardos como pardos, ou como mestiços – até para institucionalizar o que sempre ocorreu no Brasil. Por aqui, uma espécie de gradação cromático-racial é usual. Mas essa foi a decisão do IBGE e que acabou legitimada pelo movimento negro, que tem todo o direito de usar os dados a seu favor.
Mas tudo isso é só para revelar uma recente implicância. Na hora de discriminar, os EUA tratavam qualquer mestiço, qualquer moreninho, de negro. Agora que elegeram um cara que sempre seria considerado negro, tratam de chamá-lo de mestiço. OK, o próprio Obama estimulou essa lógica: foi um jeito de diminuir preconceitos e de, com toda a razão, apontar para um futuro em que essas questões sejam menos relevantes. Mas, caramba, não deixa de ser uma certa sacanagem: o cara foi negro a vida inteira. Hoje, até a Ku Klux Klan anda dizendo que o cara é “meio branco”. Combinemos, embranquecer o Obama é uma forma de preconceito, de diminuir a importância política e simbólica de sua eleição.
Sim, Ricardo. A discussão é mais política - no bom sentido, claro - do que biológica (até porque o conceito de raça está cada vez mais superado). Nesse aspecto, você tem razão, o critério a ser usado é o da discriminação: se os pardos são socialmente tratados mais como pretos do que como brancos faz sentido incluí-los no grupo de negros. Apenas levantei uma discussão. O fundamental é que o tema esteja sendo, enfim, debatido. Abraços, apareça.
Fernando MolicaChego atrasado ao post, Molica. Só pra dizer que a diferença fundamental entre o critério do IBGE e o do americano (não dos institutos de pesquisa, mas da, digamos, sociedade norte-americana) é que lá o que conta é a ancestralidade (se os pais, os avós, os bisavós etc. eram negros), aqui é o fenótipo, a cor. Assim, pardo é uma categoria de cor — não dá para chamar de "mestiço", que é ancestralidade. E acho absolutamento correto juntar pardo e preto num mesmo grupo, pois o pardo não é discriminado por sua "porção branca", mas por sua "porção preta".
Ricardo MeirellesOlá Fernando, meu nome é Tatiana sou estudante de jornalismo e estou realizando um trabalho sobre seu livro "O homem que morreu três vezes". Eu gostaria, se você tivesse em arquivo, as matérias que realizou para o Fantástico. Esta foi a única forma que encontrei para entrar em contato com você. Ao enviar este pedido percebo como você se sentiu ao depender de suas fontes para descobrir a história de Perera. Espero seu retorno e agradeço sua colaboração. Parabéns pelo livro-reportagem, muito bem escrito e sua pesquisa concerteza mereçe o devido reconhecimento.
Tatiana Sbalchiero