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Os chinelos que ressaltam a tragédia


Por Fernando Molica em 21 de novembro de 2016 | Comentários (0)

Publicada na edição de hoje de ‘O Globo’, a foto de Pablo Jacob mostra mais do que o desespero de um pai ao encontrar o corpo do filho, um dos sete moradores da Cidade de Deus mortos no fim de semana.

A imagem que documenta a dor do homem é emoldurada pelos pés de seus vizinhos, pés – pretos ou quase pretos – calçados com os chinelos que traduzem a pobreza da Cidade de Deus.

A cabeça enfiada no chão e os pés e as mãos suspensos no ar transmitem o tamanho do sofrimento do personagem; os pares de chinelos dispostos em semicírculo dão o contexto, situam o drama, identificam vivos e mortos.

Os chinelos são quase um denominador comum em favelas – não o chinelo que virou moda aqui e no exterior, símbolo de conforto, informalidade e descontração, mas o que indica falta de sapatos, de tênis, de emprego, de dinheiro, de esperança.

Chinelo sinônimo de pobreza, substantivo que passou a integrar o adjetivo – pés de chinelo – que tão bem define os mais pobres. Chinelos que, nos pés daqueles que portam armas caríssimas e fazem a cidade de refém, ironizam tanta ostentação de poder – do chinelo vieram e do chinelo não se livrarão.

Relatos da barbárie na CDD citam abuso de poder, tortura e assassinatos ao mesmo tempo que admitem ligações de algumas das vítimas com o tráfico de drogas. Uma retaliação de PMs relacionada às mortes de quatro colegas na queda do helicóptero é a hipótese mais citada para as prováveis execuções.

Um relato parecido com o de tantas outras tragédias: no fim das contas, ficamos com, pelo menos, mais onze cadáveres, saldo negativo da guerra que, como frisou a Flávia Oliveira, não tem vencedores, mas apenas derrotados.

Uma guerra em que pés de chinelo são vítimas e algozes. Guerra que só poderá ter expectativa de solução quando a maior parte da sociedade perceber que a violência é algo sério demais para ser resolvida apenas pela polícia e que a ilegalidade do uso de drogas merece, pelo menos, ser discutida. É preciso que todos tenhamos coragem de olhar além dos nossos próprios chinelos.

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