Os companheiros, na fila e na prisão
Por Fernando Molica em 29 de junho de 2015 | Comentários (0)
Estação Carioca, O DIA, 01/6.
Semana passada, um senhor de bermuda, barrigudo, meio desgrenhado, aguardava a vez de ser atendido na fila de uma lotérica do Humaitá. Era o ex-deputado Vladimir Palmeira, figura marcante das manifestações de 1968 contra a ditadura. Orador irônico, implacável, brilhante, fazia uma espécie de dupla com José Dirceu. Os dois, um no Rio, outro em São Paulo, transformaram-se em símbolos do movimento estudantil. Acabaram presos — seriam soltos ao mesmo tempo, estavam entre os 15 libertados em troca do embaixador norte-americano sequestrado por grupos guerrilheiros.
Fui até ele, o cumprimentei e lembrei que, há uns 20 anos, ele ganhara uma bolada — cerca de R$ 3 milhões — na loto. A maior parte da grana foi gasta em atividades políticas, como na compra de um caminhão de som. Ao PT, ele doou 10% do prêmio. O destino do dinheiro virou piada — era a segunda vez que o sujeito decidira abrir mão de uma fortuna (a primeira vez foi quando rejeitou a herança de sua família, dona de usinas no Nordeste). Vladimir, veja só, perdeu dinheiro com a política.
Os destinos de Vladimir e de Dirceu ajudam a contar um pouco da história recente da esquerda brasileira, em particular a do PT. Aos 70 anos, o primeiro não abandonou o jeitão de estudante revoltado, de quem desconfia de qualquer poder. O outro, a partir dos anos 1990, lançaria as bases que permitiriam ao PT chegar à Presidência da República. A contradição ficaria evidente em 1998, quando, para evitar a candidatura de Vladimir ao governo do Rio e forçar uma aliança com Garotinho, a direção nacional petista fez uma intervenção no diretório fluminense do partido. Ficou evidente que, para crescer e conquistar aliados, o PT não abriria mão de práticas da política brasileira que tanto havia condenado.
A prisão domiciliar de Dirceu, que não parece ter problemas de dinheiro, e a presença do antigo companheiro na fila da loteria são complementares, sintetizam agruras petistas. Revoltado com o PT, Vladimir, que tanto gosta de apostar nos números, trocou o 13 pelo 40 do PSB — pelos novos rumos da legenda, deverá descartar esta outra dezena. Defensores de Dirceu podem alegar que o jogo que ele decidiu jogar viabilizou a ascensão do PT e a implantação de políticas que diminuíram a pobreza, resgatarão a história da necessidade de quebrar ovos para fazer omeletes. O pessoal que se identifica com Vladimir responderá que muitos dos ovos eram de ouro e acabaram furtados por raposas que cercavam o galinheiro. Deu certo, e também deu errado. Deu no que deu.