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Os esbarrões do cotidiano


Por Fernando Molica em 25 de agosto de 2023 | Comentários (0)
A fronteira entre conto e crônica vem sendo rompida faz tempo para júbilo da maioria dos leitores. A rigidez teórica a respeito da estrutura do conto – uma narrativa ficcional com um obrigatório conflito — e da crônica — o relato quase jornalístico sobre o cotidiano — pode fazer a alegria dos acadêmicos. A junção dos dois gêneros, porém, tem o mesmo sabor delicioso de experimentos híbridos em frutos, como mostraram escritores renomados, entre eles Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Nelson Rodrigues, criando pequenas histórias publicadas em jornais diários.
Desafiando esses limites de ficção e mundo real chegam às livrarias os contos de Náufragos (Malê, 114 páginas, R$ 52), do jornalista Fernando Molica. Com seis romances publicados, ele se volta para o conto que não se restringe a uma definição tradicional, oferecendo depoimentos ou testemunhando as reviravoltas emocionais da vida na cidade grande. O encontro das experiências completamente diversas só pode se dar na megalópole, com toda a diversidade socioeconômica exposta em tragédias comuns. São esbarrões entre pessoas de mundos semelhantes, como o professor de meia idade encantado ao ser seduzido pela jovem aluna, um episódio fugaz que entrará para a história de cada um, sem futuro comum.
Não faltam as confidências, esse fenômeno brasileiro que Otto Lara Resende dizia tornar íntimos – ainda que por pouquíssimo tempo — dois desconhecidos. Como os taxistas, de prosa interminável: um conta ao passageiro a traição extraconjugal da mulher; outro revela ser pastor evangélico com grande conhecimento de orixás, pois já foi da umbanda. Ou quem faz um resumo autobiográfico para seu vizinho no banco do ônibus. São momentos em que até os solitários se abrem em desabafos íntimos, confiantes no anonimato do relato e outro encontro jamais se repetirá.
Nessas grandes pequenas histórias Fernando Molica cumpre a tradição dos cronistas/contistas, mostrando as misérias da desigualdade social, os dramas dos amores destroçados. Um retrato cômico e dramático do desmantelamento do nosso viver.
Olga de Mello – @voodapalavra
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