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Os invasores de um terreno da Zona Sul


Por Fernando Molica em 19 de setembro de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 19/9:

Eu sabia que, bem perto de onde moro, na Zona Sul do Rio, havia uma favela. Acho até que lembro de, ainda criança, ter visto os barracos apertados no morro. Os moradores foram retirados nos anos 1960, no auge da política de remoção de favelas. Já até tinha visto uma ou outra foto daquilo que hoje é classificado de “comunidade carente”, mas, no início da semana, um amigo me enviou imagens impressionantes. A favela era muito grande, ocupava até mesmo o terreno onde, décadas depois, seria construído o prédio em que vivo.

Na década de 1980, as remoções foram alvo de intensas críticas, políticos de todas as vertentes passaram a falar em urbanização de favelas. Além de cruel, a prática de despachar moradores para lugares distantes se revelara uma fonte interminável de dramas urbanos e sociais. Como depois frisaria o historiador Marcos Alvito, o verbo remover só é utilizado no Brasil para favelas, lixo e cadáver: um uso que explica muito de nosso país.

A questão não é simples, favela não é apenas um problema habitacional (trata-se mais de uma solução do que problema). As moradias precárias são consequência óbvia da pobreza e de uma lógica de exclusão vigente há séculos. A nova novela das seis, a ‘Lado a lado’, ajuda a contar um pouco desta história. Algumas favelas cariocas, como a da Praia do Pinto, no Leblon, foram removidas depois de incêndios como os que proliferam hoje em São Paulo. Os terrenos não ficaram vazios, neles foram plantados edifícios destinados a gente com muito mais grana que os antigos donos da área.

Parte da sociedade se acostumou a olhar para as favelas como se aquelas pessoas não tivessem o direito de viver ali. Seus moradores passaram a ser visto de forma coletiva — os favelados –, não como pessoas: o João, a Maria, o Zé, a Cristina. Imagino o que deve ter passado pela cabeça de uma criança ao saber que ela, seus pais, amigos e vizinhos seriam retirados de onde viviam. Todos iriam para um local desconhecido, teriam que refazer amizades e contatos, perderiam parte de sua história. O importante para o poder não era combater a pobreza e suas consequências — bastava varrer os pobres para debaixo de algum tapete. Ao ver a foto dos antigos moradores da minha rua, sinto uma certa contradição. É como se eu e meus atuais vizinhos — todos beneficiados pela expulsão daquelas pessoas — fôssemos os invasores do pedaço.

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