Os meninos do Rio e a Árvore da Lagoa
Por Fernando Molica em 09 de dezembro de 2010 | Comentários (6)
Coluna Estação Carioca, jornal ‘O Dia’, 08/12/2010
Quem, de um modo geral, se queixa da Árvore de Natal da Lagoa não reclama da árvore. Muitos falam do trânsito, do estacionamento ilegal. Mas, no fundo, o que os incomoda é o povo que se aglomera por lá. Se não atraísse tanta gente dos subúrbios, a árvore seria quase ignorada, como há até pouco tempo eram tolerados o frescobol e o altinho à beira-mar, como se admite o uso de drogas na praia. É como se apenas moradores da Zona Sul pudessem ser transgressores, tivessem autorização para estacionar nas calçadas dos bairros que chamam de seus.
A geografia carioca facilitou a segregação. Há um acúmulo de beleza e de riqueza na Zona Sul, que virou sinônimo do Rio que exporta modas e costumes. Lembro que, menino de Piedade, gostava de passear pela Zona Sul, pedia a meu pai que passasse por Copacabana e Ipanema. Na época, o subúrbio era mais bonito e tranquilo, menos degradado e violento. Mas, mesmo assim, gostava de ver aquele Rio diferente, mais rico e iluminado. Um Rio que tinha praia, que olhava de perto para o Cristo e para o Pão de Açúcar.
Se, na minha infância, houvesse a Árvore da Lagoa, insistiria para ser levado até lá. Iria querer participar da festa, comeria pipoca e algodão doce, tomaria mate, tiraria fotos. Na Lagoa de hoje, vejo muitos meninos como fui, que chegam de Piedade, de Quintino, de Realengo. Meninos que, felizes com a festa, com a pipoca e o mate, não notam que, às suas costas, do alto dos prédios, muitos reclamam de sua presença, ironizam seus hábitos, seu entusiasmo e suas roupas; defendem o banimento da árvore para a Zona Norte.
Eles acreditam ser possível construir uma cidade com base na separação, não sabem como a presença daqueles meninos e meninas humaniza o Rio, o torna mais afável. O Rio se fez singular porque soube conviver com a diferença; por ser porto e capital, aprendeu a trocar com estrangeiros, com gente de outros estados. O branco Noel subiu o morro; o negro Cartola foi para o asfalto. Num boteco simbólico, eles se encontraram e criaram a música brasileira. Isso vale para Pixinguinha, Chico Buarque, Villa-Lobos, Nelson Cavaquinho.
A presença dos meninos que atravessam o túnel para ver a árvore faz o Rio respirar; renova a cidade, reforça a necessidade de convivência e tolerância, faz com que, como dizia Cazuza, olhemos a nossa própria cara. Que sejam bem-vindos.
(Uma versão deste texto foi publicada, em dezembro de 2009, no blog ‘Pontos de partida’.)
sentimental por demais teu texto e por isso ignora o mau gosto da árvore , um ícone do consumo típico da época , a agressão violenta ao meio ambiente como se a lagoa fosse uma cloaca , a propaganda gratuita durante séculos do bradesco, uma celebração desnessária do consumo invertendo totalmente o que seria realmente o símbolo natalino ! Os moleques do subúrbio bem que podiam chegar por aqui e encontrar um belo parque com zilhoes de coisas instrutivas , belas e inclusivas! Imagino quanto deles têm ainda mais agudizado o espirito consumista sem pais podendo sequer comprar um mísero presente ! Ave deus do mercado !!!!
enocir melloMolica, Momentos de convivência devem nos lembrar do compromisso que temos em devolver algum benefício a essa gente abandonada, como seus próprios bairros. Afinal, o trabalho de quem vive no suburbio também viabiliza o nosso progresso!
Raquel Med AndradeCaro, claro que você pode não gostar da árvore, que é meio brega mesmo. Mas o texto não entra nas considerações estéticas; nele, trato apenas do preconceito em relação ao povo do além-túnel que gosta muito de ver a árvore. Abs, Feliz Natal!
Fernando MolicaQueridão, desculpe discordar. A árvore é horrível, mau gosto, destoa da paisagem maravilhosa, estivesse lá na Lagoa ou do lado de cá do túnel. Além disso, me parece ser patrocinada por um banco, não poderia ser pior.
LuisObrigado, meu caro. Abraços.
Fernando MolicaTendo vivido neste mesmo período citado na capital, sou testemunha viva dos fatos narrados. E acrescento que todos daquela época devem ter saudade dos tempos em que se podia andar tranquilamente a qualquer hora, até pela madrugada, nas ruas do Rio. Muito bom e objetivo o texto.
ANTONIO AMÉRICO R FRAUCHES