Os muros da realidade
Por Fernando Molica em 01 de maio de 2009 | Comentários (1)
Ainda sobre aquela questão da realidade e suas representações. Lembro que há um cacetal de anos, quando tentava fazer um documentário em Super-8 sobre as filas para a compra de feijão, dei de cara com uma revista de cinema paulistana. Os caras brincavam com uma foto do Lula – ele mesmo, então líder sindical – carregado por companheiros. Da boca do Lula saía um balão, como o das histórias em quadrinhos. Dentro do balão, em francês (ô esquerda chique), a frase: “O cinema-verdade não existe!”.
Por que cito isso? É porque, semana passada, vi o Entre os muros da escola, ótimo longa francês dirigido por Laurent Cantet. Uma ficção sobre conflitos em uma escola pública parisiense. Um filme baseado num livro e que tem o maior jeitão de documentário: ausência de trilha sonora, atores não-profissionais, câmeras e fotografia que imitam a pegada do cinema dito documental. Tudo – diálogos, planos, interpretação – dá a tal idéia de realidade, de cinema-verdade.
É aqui que está a grande jogada. Para fazer sua ficção, o diretor vestiu seu filme com as roupas do que se classifica de “real”, fingiu que se tratava de um documentário (e, aí, acabou brincando com a idéia de que um documentário documenta, exprime a realidade). Ao trazer para a ficção os chavões estéticos do bom documentário, o filme ajudou a confundir ainda mais a tão delicada fronteira entre realidade e ficção. O filme, diriam rotuladores mais ortodoxos, é real, retrata a realidade de uma França contemporânea, os muitos impasses, os choques entre diversas culturas. Mas o filme é apenas uma das infinitas possibilidades de se ver aquela realidade. Não passa de mais um certo olhar.
Entre os muros da escola é uma ficção que se finge ser documentário e que, por isso, documenta o único elemento que qualquer filme – ficcional ou documentário – pode, com absoluta sinceridade, documentar: a visão de seu realizador, o embate entre quem filma/monta e quem/o que é filmado. Traduz a única verdade do cinema – ou do teatro, ou da literatura, ou da pintura. Afinal, o cinema-verdade, de uma verdade-absoluta, não existe.
Perfeito, Molica. As fronteiras entre o que é ficcional e o que é veritè estão cada vez mais "borradas". O filme de Laurent Cantent é ótimo e mostra uma situação comum a muitos paises: o desinteresse generalizado dos alunos pela escola.
Paulo