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Os nossos jihadistas


Por Fernando Molica em 16 de março de 2015 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, O DIA, 2/2.

O perfil dos terroristas que têm amedrontado boa parte do mundo é conhecido. São, de um modo geral, jovens pobres, moradores de áreas periféricas, desempregados ou subempregados que sentem discriminados, vítimas de racismo, excluídos da sociedade, que se mostram revoltados com injustiças do cotidiano. Pessoas que, muitas vezes, buscam na religião — uma espécie de denominador comum entre eles — apoio e justificativa para ações violentas.
Se eliminarmos o fator religião, as outras características dos jihadistas são semelhantes àquelas dos que integram, na definição de José Mariano Beltrame, uma “nação de bandidos”. Há algumas décadas, Chico Buarque cantou que cada ribanceira carioca era uma nação; semana passada, foi vez do secretário de Segurança usar o mesmo conceito. Chegou a falar em idolatria — palavra mais afeita a religiões — para definir a relação daquelas pessoas com as armas, um culto que, para ele, demonstra um “desapego à vida”.
Este desapego não é só em relação à vida alheia. Quem topa participar da guerra carioca sabe que são as grandes as chances de ser morto — pela polícia, por milicianos, por quadrilhas rivais. Assim como os homens-bomba, nossos jihadistas não temem morrer, aceitam abrir mão da vida que lhes foi destinada, em troca de muito pouco.

Sem esperanças terrenas ou celestes, não creem em rios de leite ou de mel, em leitos de pedras preciosas, em 72 virgens. Não querem saber de ilusão, estão cansados de promessas, ridicularizam todos os profetas. Com base na vida de seus avós, pais, amigos e vizinhos, não duvidam das verdades expressas naquela letra dos Titãs: “A vida é um jogo/ Cada um por si/ E Deus contra todos/ Você vai morrer/ E não vai pro céu”.
Mas eles sabem que têm o poder de infernizar a vida alheia. A vida de quem tem casa decente, boa escola ou bom emprego, dos que ganham mais dinheiro. Divertem-se com o medo que são capazes de provocar naqueles que sonham vê-los longe das praias, que pedem mais muros, que defendem a redução de ônibus nos fins de semana. Comemoram a morte de cada agente de um Estado que, têm certeza, foi criado para oprimi-los.
Procurar entender a razão da revolta não significa justificá-la, perdoá-la ou deixar de reprimi-la. Mas a polícia não será, sozinha, capaz de desestimular o culto detectado por Beltrame e que gera tantas vítimas. Isso, porém, só se faz com propostas sérias, capazes de gerar esperança naqueles jovens, de convencê-los de que a vida pode valer a pena.

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