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Pecados capitais


Por Fernando Molica em 23 de abril de 2009 | Comentários (4)

Não quero, de maneira alguma, aliviar a barra e a responsabilidade de deputados-agentes de viagens e dos policiais que pararam seus carros (nossos carros, são veículos oficiais) de maneira irregular para assistirem à posse do novo chefe da Polícia Civil do Rio. Os caras erraram feio e merecem ser punidos.

Mas, sei não, acho que os sujeitos fizeram o que a maioria do bravo povo brasileiro adoraria fazer: 1. botar a família (aí incluídos amigos, amantes, a galera da pelada) pra viajar às custas dos cofres públicos; 2. chegar no centro da cidade, de qualquer cidade, e parar o carro no primeiro espaço disponível – sobre a calçada, em fila dupla, dane-se.

Suponho que exista mesmo uma profunda inveja da possibilidade de se cometer transgressões como essas. É simples: parlamentares e tiras são gente como a gente, saíram da mesma sociedade, das mesmas ruas, jogaram bola nos mesmos campos. Foram criados em um universo em que o acesso ao emprego público – e, em muitos casos, ao então bom ensino público – se dava por meio da amizade, do jeitinho, do quebra um galho aí pra mim, parceiro.

O processo civilizatório é bom, mas é chato. Nos obriga a comer de boca fechada, a não cuspir na rua, a não palitar dentes na mesa, a não parar carros sobre a calçada. Nos obriga a estudar para passar em concurso público, a não furar filas. Tudo na base do não. Claro que isso tem suas vantagens: a vida fica melhor quando todos aceitam abrir mão de algumas trogloditices em troca de um abstrato, mas facilmente reconhecível, bem comum.

Minha mais marcante experiência européia foi em Londres, em 1985: numa rua onde não havia sinais de trânsito, pisei numa faixa de pedestres e os carros pararam! Assim, na moral. Isso, em Abbey Road, com aqueles londrinos certamente irritadíssimos com os turistas babacas que cismavam em posar para fotos imitando os Beatles. É chato pisar no freio? Claro que é. Mas o sujeito pisa no freio sabendo que outros farão o mesmo gesto na hora em que os filhos dele – ou seus pais ou avós – estarão atravessando outras ruas. Pronto, eu faço, você faz, todos fazemos – e a vida fica melhor.

O problema é que fazer acordos como o aí de cima implica em abrir mão de privilégios – nesse ponto, como diriam meus bisavós, a porca torce o rabo. Ninguém gosta disso. Um exemplo escandaloso disso é a grita com a possibilidade de reforma dos mecanismos de incentivos fiscais para a produção artística. Tem gente que, com a maior cara-de-pau, continua achando muito justo que empresas privadas tenham direito a receber de volta todo o dinheiro que aplicam no financiamento de um show ou de uma peça de teatro. Repito: todo o dinheiro. Isso, para espetáculos montados em espaços comerciais, com cobrança de ingressos. Mexer nisso é um sacrilégio.

O Brasil é, reconheçamos, espetacular: os caras inventaram um jeito de fazer com que quase 200 milhões de pessoas paguem compulsoriamente o ingresso de uma peça que vai ser vista por 20 mil pessoas. E os produtores da peça não são obrigados a fazer temporadas populares. Nada disso, Sei lá, mas não vejo muita diferença entre fazer isso e estacionar em local proibido ou em levar a parentada para viajar de graça.

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Comentários
28 de abril de 2009

Empurrar carrinho deixa qualquer um zen! Palavra.

Paulo
27 de abril de 2009

Você tem toda a razão - não tenho a menor vontade de repetir a cena do Rambo de Quintino (por sinal, bairro onde nasci). Rapaz, só até muito civilizado: empurrar um carrinho de bebê pelas calçadas do Grajaú - lotadas de carros - foi fundamental para minha educação urbana. Desde então - e lá vai muito tempo - parei de cometer muitas trogloditices. Lei Rouanet: não duvido. Volta e meia passo pela página do MinC para conferir financiamentos. É sempre instrutitivo.

Fernando Molica
27 de abril de 2009

Correto, as vezes tenho um pingo de vontade de repetir os mesmos horrores que critico em toda mesa de bar que paro. Mas, subir em um carro da polícia civil, portando um fuzil, e gritar aos berros para uma multidão abrir passagem - feito um tropeiro tocando a boiada. Isso, eu juro, não tenho vontade de fazer. E tenho certeza que muito menos o autor do post sonha em repetir a cena. Dizem que a filmo-biografia do Frank Aguiar tá enquadrada na Lei Rouanet, pode?

Paulo
24 de abril de 2009

Acho que estás coberto pelo mais espesso manto da razão. Abraço!

Diego Moreira