Pelo direito de sonhar
Por Fernando Molica em 16 de novembro de 2009 | Comentários (7)
Na saída do Engenhão, pouco depois da derrota do Botafogo para o Cerro Porteño, ouvi o comentário de um cara que estava mais ou menos ao meu lado. O sujeito fez um desabafo para o filho, um rapaz de uns 15/16 anos.
– Errei ao fazer de você um torcedor do Botafogo. Esse time não tem mais nada a ver com os times de antigamente. Garrincha, Nilton Santos, Didi, Jairzinho – é tudo passado. Você devia ter sido Flamengo.
Diante de tamanha heresia, interferi na conversa. Disse que não, como assim, besteira, meu amigo. Isso tudo vai passar.
Mas, no caminho para casa, pensei em algo um tanto quanto dramático: não dá para garantir que meus netos – que sequer foram concebidos – serão alvinegros. Sou Botafogo porque meu pai é Botafogo. Adotou o time ao ver Garrincha jogar. Ele não sabia, descobriu anos depois, mas meu avô, seu pai, era Botafogo. Virou alvinegro porque, uma vez, viu Didi jogar em Viçosa (lá pelos anos 50, o Madureira, onde Didi jogava, disputou amistosos no interior de Minas. Meu vô Almiro ficou impressionado o sujeito, passou a acompanhá-lo. Por Didi, virou Botafogo).
Meus filhos são Botafogo por minha influência direta – até que deram sorte, foram campeões brasileiros em 1995, conquistaram alguns estaduais e um Rio-SP. Mas, do jeito que vamos, começo a duvidar da continuidade da permanência dessa quase herança genética. Arrisco dizer que o Botafogo corre o risco de virar Portuguesa ou, pior, um América. Seria um processo mais lento, nenhum dos dois times tem um percentual mínimo da importância do Botafogo – mas o risco não está afastado.
O Botafogo tem pecado pela falta de ambição, se satisfaz com pouco. É absurdo entrar em campeonatos brasileiros sonhando em não cair ou, no máximo, em conquistar uma vaga na Sul-Americana. Essa lógica se traduz no futebol do Lúcio Flávio – um jogo medroso, sem objetividade. Como bem observou o amigo Paulo Marcelo, LF foge do gol, teme o risco, distribui jogo para as laterais. Estamos nos contentando com pouco – uma Taça Guanabara aqui, uma Taça Rio acolá. Substituímos o Vasco na conquista de vice-campeonatos regionais (ok, fomos roubados em duas das últimas três decisões de estaduais, mas o roubo reflete uma certa decadência. Na dúvida, os juízes respeitam os mais fortes. Na final da Taça GB de 2006, fomos favorecidos pela não-marcação de um pênalti escandaloso quando perdíamos de 1 x 0).
Os erros contra o Botafogo – neste Brasileirão foram muitos, ocorridos no momento em que o time se recuperava de um mau início no campeonato – mostram que os juízes já nos consideram menores. O rugido de um Beluzzo incomoda muito mais do que a reclamação de um dirigente alvinegro.
O time atual é ruim, o técnico, além de medroso, não conseguiu criar padrão de jogo – o Cerro Porteño deu o chamado banho tático no Botafogo, estava muito bem armado. Mas o técnico e o time apenas refletem uma lógica perdedora, cabisbaixa, não-ousada. Falta coragem, falta marra. Falta fazer como Manga fazia: dizer que, nos jogos contra o Flamengo, gastava o bicho de véspera.
A gestão Bebeto de Freitas foi importante, principalmente no seu início – organizou o clube, levou o time de volta à primeira divisão. Depois, caiu no rame-rame, na tal da utopia possível enunciada por FHC, uma lógica adotada pela nova diretoria. Caramba: não queremos prudência, não queremos equilíbrio financeiro, time compatível com a realidade econômica. Não queremos um futebol que reflita nossa vida e nossas preocupações cotidianas. Já basta ter que, no meu dia-a-dia, me preocupar com trabalho, grana, contas.
Futebol é muito mais que um jogo – até porque o jogo em si não tem a menor importância. Futebol é sonho, delírio, projeção de vitórias. No futebol, posso ser melhor do que sou. Não quero um sonho possível: sonho assim não é sonho, não tem a menor graça. Não podemos ser medíocres até na hora de sonhar. É preciso que o Botafogo volte a ser ousado, marrento, capaz de gerar orgulho em sua torcida – e medo e respeito entre os adversários. O Botafogo precisa voltar a honrar Garrincha: ser corajoso, agressivo, alegre e – consequência de tudo isso – vitorioso. Saudações alvinegras.
Obs: na semana passada, sonhei – é sério – que conversava com Maradona numa redação de jornal. O sujeito estava magro (e surpreendentemente alto). Lembro que insisti para que ele voltasse a jogar, que viesse para o Botafogo. Acho que ele recusou a oferta. A cena é, claro, risível. Mas é melhor sonhar em ver Maradona com a camisa alvinegra do que se contentar com a volta de Dodô – o sonho possível prometido pela diretoria do clube.
Caro Fernando, Concordo com suas palavras, não mudaria nem uma virgula do que por você foi escrito, é triste mais é a mais pura verdade. Achei engraçado quando você falar na questão marra ... prova disso é que você nota a torcida indo ao estadio sempre com um ar de que a derrota é mais facil de acontecer do que a vitoria, não confiamos no Botafogo e quando falo isso digo na instituição, a camisa já não pesa como antes, exemplo: não conseguimos transformar o engenhão em nossa casa, nossos dirigentes são fracos, pra não dizer mal intencionados, digo que são amadores de mais, anos o Botafogo não tem peso, não respeitam nossos mandos de campo, veja o Palmeiras dizendo que não joga no engenhão o proximo jogo, olha sinceramente acha que eles conseguiram mudar, hoje o Botafogo está lamentavelmente um degrau abaixo, estamos no patamar de clubes como Sport, Coritiba, Nautico, Paraná, Vitoria. Não podemos mais nos considerar gigantes como São PAulo, Flamengo, Corinthians, Inter/Gremio estamos ficando pra trás e não vejo sinceramente esse quadro mudar nem tão cedo.
Ricardo SousaVeja você Molica. Não tenho nada a ver com a história. Sou Juventus da rua Javari, da minha Mooca, aqui em São Paulo. Mas você me fez lembrar com este belo post que, durante parte da minha infância, por influência de um estimado tio meu, que já se foi, fui tricolor paulista que, hoje, mais uma vez, luta pelo título. Mas fosse pelo São Paulo a época, de tanta tradição, seja hoje pelo meu Juventus, que é puro coração, eis ai a explicação: futebol não existe sem sonho e sem paixão. Parabéns, mais uma vez, e torço, verdadeiramente, para que o futebol carioca, como um todo, recupere seu brio. Pois é uma pena ser sincero, mas, ao longo de três décadas, a muito o Rio tem ficado fora do mapa do futebol, dominado na maior parte do tempo pelo trio de ferro paulistano. Saudações juventinas e um boa sorte pelo futebol. PS: Espero-o em breve meu caro Molica, assim que possível e que estiver pelos lados da terra da garoa, no The Eduardo Freire Show. Será um privilégio. Forte abraço!
Eduardo FreireObrigado, meu caro. Abração.
Fernando Molica"Futebol é sonho, delírio, projeção de vitórias. No futebol, posso ser melhor do que sou. Não quero um sonho possível: sonho assim não é sonho, não tem a menor graça." Belas palavras, amigo. Vascaíno por influência de meu pai, sim, que me ensinou uma das coisas mais importantes da vida: saber perder é mais fácil do que saber ganhar. Fiquei triste com a queda do meu time, mas a alegria de tê-lo de volta foi maior do que imaginava. Soubemos perder mas, sobretudo, soubemos ganhar. O Botafogo, o de hoje, não sabe nem uma coisa nem outra, e aí, companheiro, não tem jogo que valha a paixão. Mas continue sonhando, para que o alvinegro consiga, ao menos, reconhecer na derrota as vitórias que virão. Porque virão, de uma maneira ou de outra. Forte abraço, Bruno Quintella
Bruno QuintellaEssa nossa briga não passa de uma versão do roto contra o esfarrapado. Vocês acabaram de conquistar o título de 21º melhor time do Brasil. E estão felizes com isso. Eu, pelo lado de cá, vivo a perspectiva de, no ano que vem, ver meu time lutar por um título semelhante. Vida dura, meu caro. Perder para o São Paulo é fácil. O difícil vai ser ficar na primeira divisão. Quanto ao tal hexa: primeiro, o Flamengo tem que conquistar o penta (o que não é pouca coisa, admito). Abraços.
Fernando MolicaUm belo samba da Mocidade " sonhar não custa nada ", interpretado pelo ridículo Paulinho da Mocidade foi onde perdemos o título. Agora é perder para o São Paulo e não deixar que saia um hexa, e sonhar com um título da Série B... é o que resta... O Campeão voltou.....
JOAO PEREIRASó não fiquei deprimida com o post de hoje, porque passei mal de rir com o sonho do Maradona. Suas previsões são, de fato, bem realistas, mas acho que a paixão da torcida alvinegra não se apagará assim. Filha de uma alvinegra desiludida e de um rubronegro fanático, passei a infância dizendo aos coleguinhas que era Flamengo. Mas, em 89, pela primeira vez senti emoção ao ver um time em campo. Eram 21 anos sem ganhar nenhum titulozinho sequer e a torcida do Botafogo promovia uma festa que mais parecia a comemoração da Copa do Mundo. "Caramba, que paixão!" Meu coração bateu mais forte e até hoje bate quando passo em frente à timida sede de General Severiano. Paixão não ganha campeonato nem mantém nosso time na primeira divisão. Mas garante a perenidade do time do escudo mais lindo do mundo.
Andréa