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Pessoas domésticas


Por Fernando Molica em 09 de setembro de 2009 | Comentários (1)

Outro dia, pesquei uma conversa entre duas colegas que falavam sobre a procura de uma empregada doméstica. Foi feita uma lista de umas cinco candidatas – e cada menção de nome vinha com uma informação complementar. A possibilidade de a moça poder ou não “poder domir”. Não se tratava de privilegiar ou discriminar insones; “poder dormir” quer dizer que a candidata pode passar a semana na casa dos patrões.

E daí, qual a novidade? Nenhuma, claro. Na minha infância, algumas empregadas chegaram a dormir na casa dos meus pais. O quarto de empregada (assim como o elevador de serviço) já havia sido incorporado à lógica dos lançamentos imobiliários – os dois, quarto de empregada e elevador de serviço em prédios de padrão apenas mediano, devem ser das maiores contribuições brasileiras à arquitetura mundial. Ou seja, não havia por que ficar espantado, a senzala há muito migrara para a casa grande, no caso, apartamento pequeno. Mas fiquei espantado assim mesmo. Há uns dois anos, ainda na TV, fiz uma viagem de trem até a Baixada, enquanto gravava uma reportagem. No caminho, entrevistei várias passageiras. Era uma sexta-feira, todas, sem exceção, eram empregadas domésticas que voltavam para casa, onde passariam o fim-de-semana.

Pode parecer normal – e ficou normal. Mas não deixa de ser esquisito. A sociedade brasileira, em sua maior parte, acha razoável que trabalhadores durmam nas casas de seus patrões. É muito curioso que seja normal admitirmos que essas pessoas – empregadas domésticas – não possam ver os filhos, maridos/namorados e vizinhos todos os dias. Que sejam pessoas cujas vidas, na prática, fiquem subordinadas à lógica de outras famílias. Que participem mais da vida da família alheia do que da sua.

Claro que há muitas razões práticas para isso. A péssima qualidade dos transportes públicos, o preço das passagens – que pode inviabilizar a contratação de pessoas que morem em locais mais distantes -, a necessidade de ter alguém com quem deixar filhos pequenos, a importância de se ter acompanhantes para idosos. Tudo isso é razoável, admissível. Mas nada disso pode ser visto como normal. Ter empregada doméstica em casa é um luxo só acessível a uma parcela da classe média porque este país é vergonhoso. Dispor de alguém que durma em casa, que bote a mesa do café e lave a louça do jantar é escandaloso. Não se pode privar alguém de sua própria vida.

Enfim, nada contra quem tem empregada que durma em casa, ainda mais se os patrões cumprirem com suas obrigações trabalhistas. Mas não custa ressaltar que isso é absurdo.

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Comentários
11 de setembro de 2009

Perfeito Fernando. Mais uma vez.

Eduardo Freire