Pitacos municipais 3 – Uma fé que não tem nada de cega
Por Fernando Molica em 23 de agosto de 2016 | Comentários (1)
Nem na escolha do papa deve se falar tanto em Deus como em eleições brasileiras. Professar de maneira pública a fé n’Ele virou uma espécie de quesito obrigatório para quem quer chegar a um cargo executivo.
No Rio, a situação chega a ser engraçada. Ligado de forma orgânica à Igreja Universal do Reino de Deus (denominação cujos maiores pecados demonstram ser mais terrenos do que espirituais), Marcelo Crivella (PRB) insiste em dizer que não mistura política com religião. Outro dia, chegou a posar ao lado de uma candomblecista, praticante de uma fé associada ao demônio pela denominação religiosa do senador.
Acossado pelos ecos da suspeita, arquivada pela Justiça, de ter agredido a ex-mulher, Pedro Paulo (PMDB) busca se mostrar católico, e tratou de, com a mulher e os filhos, de encarar a escadaria da Igreja da Penha e de participar ativamente de uma missa (participou tanto que o ato passou a ser questionado na Justiça eleitoral). A presença da esposa e dos filhos não foi gratuita – fé e família formam uma combinação ao estilo queijo com goiabada na visão dos marqueteiros.
Ter uma religião virou uma espécie de quesito obrigatório para os candidatos, uma espécie de certificação moral, algo que, em tese, os diferencia dos demais políticos. Em meio a tantos escândalos, um suposto aval divino daria um grau de legitimidade aos que apregoam sua crença. Isto, apesar dos tantos exemplos de políticos que ficariam muito mais à vontade se escalados no papel de mercador do tempo, aqueles que têm a Suíça como Jerusalém e que oram virados na direção de Genebra.
A manifestação de fé é também escaldada em alguns exemplos históricos, como o vacilo de Fernando Henrique Cardoso que, em debate ocorrido em 1985 na disputa pela Prefeitura de São Paulo, escorregou ao responder sobre sua crença em Deus e, assim, abençoou a eleição de Jânio Quadros.
A questão, porém, é mais grave. O culto aos candidatos de fé é estimulado por posições geralmente conservadoras apregoadas pelas igrejas, medidas que lideranças religiosas insistem em querer aplicar a toda a sociedade e não apenas aos seus integrantes de seus rebanhos.
Uma postura autoritária, que não leva em conta o caráter laico do Estado e ainda despreza evidencias: segundo o Censo de 2010, 86,8% dos brasileiros se dizem cristãos, é, portanto, lícito supor que estão neste grupo a maior parte das entre 650 mil e 850 mil mulheres que, segundo estimativas, anualmente recorrem a um aborto. Igrejas tentam impor à sociedade normas que sequer são cumpridas por seus integrantes.
A questão não tem a ver apenas com fé e interdições. O crescimento das bancadas religiosas nas casas legislativas fez com que igrejas conseguissem sucessivos benefícios fiscais. Há também outras benesses: no ano passado, a Prefeitura do Rio repassou R$ 6,660 milhões para atividades da Arquidiocese do Rio. O Conselho de Ministros do Estado do Rio de Janeiro, entidade de evangélicos, recebeu R$ 2,320 milhões.
Em 2008, o compromisso de Eduardo Paes em implantar o ensino religioso nas escolas foi decisivo para a conquista do apoio à sua candidatura pelo então arcebispo, d. Eusébio Scheid.
Como o que está em jogo numa eleição tem a ver com medidas a serem tomadas na Terra, e não no Céu, seria mais razoável não convocar Deus para uma briga em que Ele não pediu para ser incluído – detalhes da Bíblia não fazem parte do roteiro de perguntas dos debates, pelo menos, ainda não. E não custa lembrar a épica canção-manifesto de Sérgio Ricardo que encerra o espetacular ‘Deus e o Diabo na terra do sol’, de Glauber Rocha, “(…) a terra é do homem/ Não é de Deus nem do Diabo”.
Ao invés de se preocuparem com a religião ou a igreja dele, deveriam focar nos vários projetos que ele criou e que foram aprovados. Já está na hora de separarmos essas duas vertentes!
Jéssica