Pitacos municipais 6 – Paes e a imagem de Paes
Por Fernando Molica em 05 de setembro de 2016 | Comentários (0)
Eduardo Paes usou o Twitter para reclamar de Marcelo Crivella – o candidato do PRB tem dito que o prefeito priorizou obras na Zona Sul. “Me conta quais, Bispo”, provocou o chefe do executivo municipal.
O problema de Paes é uma palavra – percepção – que costuma aterrorizar os melhores marqueteiros. A insistência com que Crivella toca no assunto permite supor que pesquisas qualitativas indicam que boa parte do eleitorado identifica o prefeito com o universo da Zona Sul.
Este tipo de percepção complica a vida de muita gente: o PT do Rio, apesar do discurso favorável aos pobres e oprimidos, era visto como um partido representante de uma determinada elite, aquela que circula entre a Tijuca e Botafogo e tem Laranjeiras como capital. A última pesquisa do Ibope demonstra que o mesmo problema afeta a candidatura de Marcelo Freixo (Psol), que tem baixíssimos índices entre os mais pobres.
Usando o mote daquela velha e racista marchinha de Carnaval, a cara e o jeito de Paes não negam que ele – branco, alto, meio louro, ex-aluno da PUC – é filho da área mais privilegiada da cidade. A entrada na política pelas mãos de Cesar Maia e a ligação com Sérgio Cabral também reforçam a imagem de quem tem compromissos com uma elite política e, como diria Elio Gaspari, com o andar de cima da pirâmide social.
O prefeito tenta desconstruir esta imagem. Procura reforçar sua identificação com o universo do samba (não há como duvidar de sua preferência pelo nosso mais importante gênero musical), não perde a chance de listar as obras feitas nas zonas Norte e Oeste da cidade.
Seria injusto dizer que ele priorizou a Zona Sul; de obras relevantes nesta área da cidade só consigo me lembrar da ciclovia, a que caiu. Mas os diversos casos de remoções de habitações populares e episódios como aquele em que o prefeito – homem branco, representante da elite – sugeriu a uma cidadã – negra, moradora de favela – que trepasse muito acendem uma espécie de luz amarela na cabeça de muitos e muitos cariocas.
Nesses casos, parece aflorar um sinhozinho que teima em habitar um canto da alma de Paes. O mesmo sinhozinho que sugeriu ao prefeito que, na inauguração da primeira leva de obras no Porto, discursasse ao lado de um ator caracterizado de Pereira Passos, prefeito que modernizou a cidade e aprofundou sua segregação ao remover milhares de pessoas que viviam no caminho da futura Avenida Central, hoje, Rio Branco.
Vivemos, numa cidade hierarquizada pela própria natureza, marcada por profundas diferenças sociais e por constantes e infindáveis manifestações de preconceito. O Rio, que, como frisou a Flávia Oliveira em artigo no ‘Globo’, guarda toda a desigualdade do mundo.
Moradores de subúrbios, de áreas mais pobres da cidade, conhecem muito bem o peso da discriminação, sabem como o CEP de suas casas determina a maneira como são vistos. Evangélicos, que estão no foco de Crivella, também são muito sensíveis ao discurso do preconceito. Apesar de sua força social e política, consideram-se discriminados, incompreendidos, repetem o discurso de que, como Jesus, são vítimas de um poder dominante.
Arrisco dizer que, apesar de todas as obras nas áreas pobres da cidade, Paes continua a ser visto pela elite como um dos seus. Os investimentos além-túnel (expressão que demonstra a força do preconceito entre nós) seriam encarados por seus companheiros de classe social como uma espécie de concessão necessária, um jeito de manter os pobres em seus devidos lugares.
Há uns três/quatro anos, testemunhei, numa livraria do Leblon, numa fila de lançamento de livro, uma mulher de uns 70 anos dirigir-se ao prefeito para reclamar da construção da estação Nossa Senhora da Paz do metrô. Alegou que, depois de inaugurada, a obra levaria “aquele pessoal” – os pobres de sempre – para Ipanema.
Constrangido, Paes saiu-se muito bem. Ressaltou que a obra era do governo estadual e que, caramba, a cidade era de seus moradores, todos tinham o direito de ir a qualquer lugar. Mas a corretíssima resposta não elimina o fato de que a tal moradora teve confiança de reivindicar algo tão absurdo. Fez isso por achar que Paes era um dos seus, jamais teria coragem de falar algo assim para o Lula. Guiou-se por sua percepção, pela identificação simbólica do prefeito com uma determinada classe social. A mesma percepção que Crivella procura estimular.