Pretinha
Por Fernando Molica em 09 de janeiro de 2009 | Comentários (5)
Não gosto de cachorro. Sei que dizer isso pega mal, muita gente vai virar a cara pra mim, achar que eu não mereço a festinha que um quadrúpede desses um dia fez pra mim. Mas não gosto. Deve ser trauma de infância, causado, talvez, pelos pastores alemães que viviam numa casa bem na entrada da vila em que eu morava, em Piedade. O líder da matilha era um tal de Zorba, que passava as madrugadas uivando. Se não me engano foi ele que unhou ou mordeu meu avô, que tinha ido abrir o portão que permitia o trânsito de carros na vila. O vô Mário ficou de costas para o portão da casa dos cachorros e, nhac!, levou uma zorbada nas costas.
Talvez implique mesmo com os donos de cachorros, seres apaixonados por esses bichinhos mais compráveis do que boa parte dos políticos brasileiros. Basta dar alguma comida, um pouco d’água, que qualquer cãozinho se transforma num fiel companheiro – mesmo se for tratado às patadas. Melhor amigo do homem? Sim, o melhor que o dinheiro – pouco dinheiro que seja – pode comprar. Compreendo as razões de quem ama seu totó, os cães podem ser bons companheiros, mas às vezes acho que quem se liga de forma excessiva e quase-doentia a esses bichos tem alguma dificuldade para se relacionar mais profundamente com os iguais, os humanos (outra ressalva: admito que a humanidade também não ajuda muito, ô raça!).
Mas, é claro, os cachorros têm o direito de serem bem-tratados (principalmente aqueles que não me mordem, lambem ou colocam patas sobre as minhas calças). Não quer dizer também que eu não me comova com cenas como a da Pretinha e seu dono. Pra quem não leu “O Dia” de terça passada: na véspera, a prefeitura do Rio fazia uma operação chamada Choque de Ordem, um vareio nas irregularidades urbanas (tem trabalho para uns 200 anos). Lá na Tijuca os fiscais levaram para a van um garoto de 13 anos que vivia nas ruas e deixaram de fora a cadelinha dele, a Pretinha. A bichinha, coitada, fez de tudo para ir junto, ficou pulando ao lado da janela em que estava seu dono, estendeu patinha para ele, um negócio muito comovente. Tudo teria passado batido se a Isabela Kassow, ótima fotógrafa lá do jornal, não tivesse – aos prantos, como confessaria depois – registrado as cenas, que foram parar lá na coluna, no “Informe do Dia”.
A repercussão foi absurda, muita gente telefonou para o jornal, mandou e-mails. Todo mundo protestou contra a separação da dupla, reclamou da insensibilidade dos fiscais. Todos estavam com pena do garoto e da Pretinha – a convivência certamente tornava menos dura a difícil vida dos dois. A história virou até editorial de “O Dia” – um texto que ressaltava a dificuldade de aplicar choques quando na ponta da linha há seres humanos e não apenas prédios. Hoje, sexta, o jornal publica reportagem sobre a busca de Pretinha, nossa musa (levado para um abrigo, o menino fugiu, também está desaparecido).
Enfim, sou insuspeito para defender cães e seus donos. Mas não dá para negar que a história é espetacular, emocionante. Que é preciso mais cuidado para não se destruir laços afetivos, ainda mais quando se trata de uma criança que vive nas ruas. Nesta nossa cidade tão violenta e cruel, esses meninos e meninas são geralmente vistos com desconfiança, desprezo – e até mesmo ódio (muita gente defendeu a chacina da Candelária, há alguns anos). Mas o afeto entre o menino e Pretinha derrubou preconceitos, revelou o óbvio: aquele garoto é, enfim, um garoto. Um menino que vive nas ruas, que tem certamente uma vida barra-pesada, mas que não deixa de ser menino. Um menino que tem direito a uma vida melhor. O Estado, um dos responsáveis por seu abandono, ainda conseguiu piorar as coisas ao separá-lo de sua cachorrinha. Enfim, aplausos para o menino e para Pretinha, a cadelinha que resgatou, aos olhos de todos nós, a humanidade daquele garoto. Não é pouca coisa.
Molica, de repente, fiquei totalmente sem palavras para comentar este post... Entre os que têm (bem) mais oportunidades na sociedade, acredito tb na hipótese que associa idolatria por animais de estimação a problemas de relacionamento com a própria espécie. Mas, nesse caso que vc narrou, a gente se livra de todas as nossas teorias e o que nos assola é a comoção pura e nada simples! Abs.
Sergio BrandãoÈ essa parada de lamber realmente é incomoda e chata qto a cães só mm os dóceis,aqueles da tua vila eu tb tinha pavor rs. bjs
Roseli Reis BSei, Roseli, que tem gente que não merece ganhar um osso de presente. Mas, enfim, nada contra quem gosta de cachorro. Só fico meio incomodado com os exageros (principalmente daqueles donos que acham o máximo colocar seus cãezinhos para lamber as visitas). Beijos.
Fernando MolicaPoxa primo,eu tive a Dine que me foi dada pela sua vizinha da citada vila rs,digamos q era uma pequines meio rebelde,mas foi bem amada ,e agora meu poodle que e meu filho mm *Ricky*não o Martin,mas é o bebê da casa.E por tts q a gente ve pela vida,vai lah o antigo e tradicional ditado *Mas vale um cão amigo que um amigo cão*>Ai tenho certeza q vc concorda comigo rss bjus Roseli
Roseli Reis BMolica, parabéns pelo post e pela publicação, na coluna, das fotos tão comoventes que a Isabela fez. Sem dúvida, aquela foi uma das imagens mais tocantes da semana e isso tem tudo a ver com o mundo em que vivemos hoje em dia, no qual as pessoas e seus sentimentos parecem ter cada vez menos valor. Dá uma tristeza danada pensar que a lógica anda assim tão torta... Abração!
Murilo