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Pur-tu-gal (2) – Os portugueses voadores


Por Fernando Molica em 02 de junho de 2008 | Comentários (0)

Não faz tanto tempo assim – menos de 15 anos – e era possível ver em Lisboa muitos e muitos carros estacionados sobre as calçadas. Isso, em pleno centro, na bela avenida da Liberdade. A adesão à Comunidade Européia adequou boa parte da realidade político-social do país a uma imposição geográfica: Portugal acabou virando mesmo um país europeu. A velha piada sobre ir a Portugal para, depois, visitar a Europa, perdeu sentido.

Isso pode ser notado no trânsito, que por aqui no Brasil, em particular no Rio, serve para mostrar como somos muito piores do que dizemos ser. Em 1985, vi em Londres uma das melhores definições para civilização: o respeito à faixa de pedestres. Nada mais singelo do que o motorista de um carrão de não-sei-quantas dezenas ou centenas de milhares de libras ter que parar para dar passagem a um pedestre. Isso funciona – descobri então – até em Abbey Road, onde aborrecidos ingleses são obrigados a frear para permitir que turistas-panacas do mundo inteiro (eu, inclusive…) posem para fotos na faixa de pedestres celebrizada na capa do disco dos Beatles.

Aqui no Brasil, a faixa de pedestres vingou apenas em Brasília. Em Portugal, vale no país todo. Em ruas muito movimentadas há sinais de trânsito que controlam o fluxo de veículos e pedestres. Mas, na grande maioria dos casos não há sinais, apenas faixas. A regra é simples e óbvia: o pedestre pisa na faixa e o motorista pisa no freio. Simples, né? Sem reclamações, sem xingamentos, sem gritos. Eu, feliz da vida, denunciava meu susto e minha origem terceiro-mundista com discretos agradecimentos feitos com a cabeça – obrigado por não me atropelar, mermão.

Mas o português que virou europeu no trânsito urbano solta as amarras nas estradas. O dinheiro vindo dos países vizinhos implantou muitas e muitas excelentes auto-estradas. Nelas, o limite de velocidade é de 120 km/h – que, em duas semanas, vi ser respeitado por mim e por um ou outro motorista. Ao volante de um possante Corsa 1.2, volta e meia era surpreendido por um golpe de vento vindo da esquerda que, logo adiante, percebia ter sido provocado por Porshes, Mercedes, Audis e Renaults conduzidos por portugueses ensadecidos. Como correm aqueles gajos.

Mas o pior era quando passávamos nas rodovias secundárias, as estradas nacionais, de mão-dupla: os caras não têm a menor paciência para aguardar uma ultrapassagem. Sabe aquele negócio destestável e perigoso de encostar na traseira do carro da frente para constrangê-lo a acelerar ou dar passagem? Pois. Lá parece ser algo obrigatório, o sujeito deve perder pontos na carteira se não ficar a menos de meio metro do pára-choques traseiro do veículo que cometa o absurdo de ir a 80 km/h numa estrada cuja velocidade máxima permitida é de… 80km/h – ó pá. E tome de sustos com aqueles portugueses ameaçadores ali, grudadinhos na nossa traseira (ôps!).

De vez em quando me sentia como um personagem de filme, fugindo de tiranossauros metamorfoseados naquelas picapes-rex que se espalharam feito praga pelo mundo. Ansiosos, agressivos, os motoristas lusos pareciam com isso tentar provar que, apesar das regras de conduta européias que são obrigados a seguir, continuam, no fundo, a honrar a lógica do escorpião da piada, que mata o sapo que o transportava pelo rio por ser incapaz de fugir à sua vocação – mesmo que isso implicasse também na sua morte. Mas isso também tende a acabar: o abuso nas estradas já foi bem maior, explicou-me um amigo português. E a diminuição dos excessos tem, claro, a ver com o bolso: a multa por excesso de velocidade pode chegar a 500 euros.

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