Resenha
Por Fernando Molica em 11 de abril de 2008 | Comentários (0)
Fernando Molica e os viciados em jornalismo
Zero Hora, 09/04/2008
Carlos André Moreira
Muitos jornalistas de imprensa diária comem mal, bebem demais, fumam muito, têm vida familiar errática e mesmo assim só vão tentar a sorte em outro emprego quando forçados por uma demissão. Entender por que tanta gente de imprensa se dedica a esse vício no limite da autodestruição é difícil para quem não é do ramo, e é exatamente isso que diminui como realização final o bom romance O Ponto de Partida, do jornalista carioca Fernando Molica, repórter especial do Fantástico com passagens anteriores por Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo. Como muitas histórias escritas sobre um determinado meio por alguém “de dentro”, o livro cede freqüentemente a um saudosismo romântico que compromete a narrativa bem estruturada e de ritmo ágil, um eficiente retrato urbano.
O Ponto de Partida conta a história de Ricardo Menezes, jornalista cinqüentão que corresponde perfeitamente ao perfil estereotipado do primeiro parágrafo. Separado de uma advogada de sucesso, pai de dois filhos que cresceram revoltados com sua ausência, sempre comprometido com o jornal. Quando o romance começa, ele está de plantão nos limites entre as praias do Arpoador e do Diabo, no Rio, acompanhando a história de uma mulher encontrada esquartejada dentro de um saco plástico. Ordenado a esperar a retirada do corpo pela perícia, ele, para driblar o tédio, recorda histórias antigas de jornalistas que conheceu no passado, fazendo uma história informal do próprio ofício de reportagem. Entremeadas a essas lembranças, que evoca para disfarçar seu verdadeiro mal-estar, emergem constantemente as lembranças de sua vida até aquele ponto: a militância política dos anos 1970, a relação mal encaminhada com os filhos, o fracasso do casamento. Molica tem um texto solto, ágil, e embora os causos de antigos repórteres sejam narrados com verve e graça, a abordagem particular do personagem Ricardo é bem mais interessante, pelo mergulho na psique ao mesmo tempo orgulhosa e derrotada do protagonista.
O romance O Ponto de Partida funciona quase como espelho ficcional de outro livro que recentemente trouxe a assinatura de Molica, a coletânea 50 Anos de Crimes, recolha de 19 reportagens policiais lançada no ano passado compilando textos sobre grandes casos policiais dos anos 1950 até hoje. Curiosamente, a leitura da antologia oferece um panorama mais rico das mudanças da reportagem policial no Brasil do que a versão ficcional.