Salvação de Cunha e fim do Parlamento
Por Fernando Molica em 26 de outubro de 2015 | Comentários (0)
Só para tentar deixar a situação um pouco mais clara. O que está em jogo não é o cargo de presidente da Câmara dos Deputados nem o mandato de Eduardo Cunha. Cargo e mandato são questões menores. Também não têm importância o corporativismo e o medo de outros deputados (sabe-se lá o que poderá ser revelado a respeito deles?) e o oportunismo irresponsável do governo e da oposição, que disputam a simpatia de Cunha no caso do impeachment de Dilma Rousseff.
A questão é simples. O deputado Eduardo Cunha declarou à Justiça Eleitoral e à CPI da Petrobras que não tem contas bancárias no exterior. Mas, segundo o Ministério Público suíço e a Procuradoria-Geral da República, a afirmação não é verdadeira. Todos os dias, jornais publicam documentos que comprovam a existência das tais contas. Pior, há a suspeita grave de que os valores nelas depositados têm origem ilegal.
Ou seja, ou o deputado mentiu ou está sendo vítima de uma das maiores armações da história da República. Ele tem todo o direito de tentar provar a segunda hipótese, mas deve fazê-lo como cidadão comum, não como deputado nem, muito menos, como presidente da Câmara.
Políticos tendem a considerar seus mandatos como propriedade privada, mas eles apenas exercem uma procuração entregue pelos cidadãos. Esta visão distorcida talvez tenha chegado ao auge na campanha de Cunha para a presidência da Câmara, quando ele agiu como quem tentava alcançar o comando de um sindicato de parlamentares — chegou a prometer a concessão de passagens aéreas para mulheres de deputados, mimo que acabou sendo aprovado e, diante da repercussão negativa, retirado.
O que está sendo jogado no caso de Eduardo Cunha é a manutenção de um mínimo de credibilidade do Parlamento. Um grau de confiança que, revelam todas as pesquisas, há muito tempo patina numa espécie de volume morto. Ao fingir que não veem as evidências contra o peemedebista, deputados e outras lideranças políticas atacam, com sua cegueira seletiva, a sobrevivência do sistema representativo. Por que, afinal, obrigar o cidadão a comparecer às urnas, a votar, se os eleitos, depois de empossados, lutarão apenas por seus próprios interesses e defenderão a impunidade de seus colegas? Ao dar sustentação a Eduardo Cunha, parlamentares agem como golpistas, conspiram contra a democracia representativa, contra a legitimidade do Parlamento — contra, portanto, a existência de seus próprios mandatos.
(Estação Carioca, O DIA, 26/10)