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PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

Sobre Deus e o jornalismo


Por Fernando Molica em 07 de novembro de 2013 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, O DIA, 6/11:

‘Fazer jornal, meu filho, é brincar um pouco de ser Deus. A gente é que decide o que é importante. Só é importante o que sai no jornal. Não adiantava Deus fazer e acontecer, criar o dia e a noite, o macho e a fêmea, as estrelas, o Himalaia, o Garrincha, o cacete a quatro: se não saísse no jornal, ninguém ficaria sabendo. Por isso, Ele também criou a Bíblia, o jornal Dele. A Bíblia é igualzinha a um jornal, é cheia de boas histórias, a maioria, difícil de ser checada. Há alguns exageros, umas forçadas de barra, umas cascatas, um certo culto à personalidade: tudo como num jornal. Mas tá cheia de notícias. Uma boa quantidade de repórteres, correspondentes no mundo inteiro, jornalistas com acesso a fontes privilegiadas. E que comentaristas — retumbantes, proféticos!

O tal do Moisés era uma espécie de repórter especial. O sujeito entrevista Deus em on, veja só! Deus dava entrevista pra Moisés on the record, não pedia off. Imagina, Deus chegando pro repórter e dizendo: ‘Pode publicar que fui Eu que disse’. Imagina a cena na redação, o chefe de reportagem enchendo o saco do pobre do repórter: ‘Onde você vai, Moisés? Pro deserto de novo? Olha lá, a verba tá curta, o aluguel de camelos tá muito caro… Você garante que vai ter matéria, Ele vai falar mesmo? A manchete tá garantida?’. Por isso que eu digo: a Bíblia é um jornal. A diferença, no duro, é que todo editor acha que é Deus; no caso da Bíblia, o cara era Deus mesmo. Você lembra do lide que Ele escreveu? O cara começa o jornal Dele, a Bíblia, anunciando que criara a luz e, logo depois, o resto do mundo. Você já viu abertura de matéria melhor do que esta? A criação do mundo?

Ele, Deus, gostou tanto desse negócio de editar jornal que, quando mandou o filho, preparou uma nova edição. Enviou também os repórteres, os evangelistas, os responsáveis por contar aquela história espetacular. Evangelho, a catequista deve ter dito isto pra você, é boa nova, boa notícia. O cara, Deus, sempre foi bom nisso. Grande jornalista, o melhor de todos, o mais perfeito. Criava os fatos e dava um jeito de publicá-los. Sabia que, se não tivesse ninguém para contar a história, não adiantava nada curar cego, multiplicar peixe, botar filho pra morrer na cruz, ressuscitar o sujeito. Ele é tão bom, tão vaidoso, que guardou para Ele a outra grande notícia: o fim do mundo.

A única capaz de rivalizar com a que anunciou a criação disso tudo aqui. Quer saber? Acho que o mundo não vai acabar nunca. Quem é que ia ler a notícia?’Trecho do romance ‘O ponto da partida’, Editora Record.

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