Tiara
Por Fernando Molica em 19 de dezembro de 2008 | Comentários (5)
Digito, entre aspas, assim, “Yara da Cruz Reis” no Google. Nada. As respostas negam a possibilidade de resposta: avisam que só há respostas sem aspas. Aqui uma Yara, ali uma da Cruz, mais adiante uma Reis. Pedaços de um nome inexistente naquele universo de tantos nomes, de tantas desimportâncias. Tento de novo, desta vez com “I” no lugar do “Y”. O resultado é o mesmo. Nada entre aspas, nada completo, que faça sentido. De novo na tela, o nome próprio esquartejado, espalhado, sem significado, disperso entre tantos outros nomes.
Não, não neguemos o Google, sua importância, seu papel de acumulador-geral da nossa história. Mas, valei-me Nelson Rodrigues, não neguemos também a burrice do Google, sua apatia, sua insensibilidade, sua incapacidade de não ser óbvio, acumulador-geral de nossas limitações. Envergonhe-se, Google, de não registrar o nome ali de cima. Entre em crise, recorra a programadores e analistas – a todos os tipos de analistas. Chicotei-se, Google, penitencie-se, peça perdão, diga que não presta, reconheça enfim suas limitações, seu despreparo, sua ignorância.
Yara da Cruz Reis morreu anteontem, à 0h30 de terça, aos 82 anos. Morreu jovem, mais jovem do que eu, mais jovem do que quase todos nós. Foi mais solidária, mais generosa, mais ativa, mais brigona, mais forte, mais decisiva, mais certa e mais errada. Por não ter medo de errar, quase sempre acertava. Foi sempre mais, nunca foi menos. Construiu uma felicidade coletiva, que individualizava, que guardava nomes, fatos, possibilidades, soluções. Estava sempre certa, mesmo quando errava do alto – muito alto, e ponha alto nisso – de seu 1,50 metro de altura.
Como assim, Google, não registrar o acalanto de todos nós, sobrinhos, de nossos filhos e, mesmo, de alguns netos, seus sobrinhos-netos? Como não saber das unhas cortadas, das febres domadas, de tantas e tantas soluções? Vai me dizer, Google, que não sabe dos cuidados também dispensados aos que vieram antes e aos que chegaram pouco depois? Das noites dormidas na sala, dos olhos tão míopes que – milagre! milagre! – não se embaçavam no meio da madrugada, na hora da sopa, do remédio, do café-com-leite. E das broncas, e das broncas, e das broncas: ninguém calava aquele seu ardor. Ninguém segurava aquelas mãos que costuravam, que pintavam-bordavam, que, do nada, em pleno ar, faziam linhas voar em pontos, em nós, em arremates – em mantas, sapatinhos, casacos. Tudo que aquecia, que protegia, que abrigava.
Sabia não, Google? Lamento por você, você não sabe de nada, Google. Isso eu soube, sempre soube, nunca deixarei de saber. Tive e tenho o privilégio de saber. E, em feitio de uma limitada oração, registro aqui o nome da Tiara, registro feito em todas as suas formas. Esse nome, Google, agora entra em seus registros, com todas as suas formas e possibilidades. Com o “Y” original, com o “I” errôneo, com a contração-apelido. Você não ficará impune a esse nome, Google. E, acredite, isso só lhe fará bem. Como qualquer pessoa que a conheceu, a partir de agora, até você – seu sabe-nada, seu bobalhão! – ficará bem melhor.
Vindo de vc,realmente sairia quase um poema, nossas perdas foram dolorosas e te mm cruéis,nesses ultimos anos, cada um q foi deixou sua marquinha em nossa memória,saudades eternas Pai/Tia/Madrinha,q/ estejam ao lado do PAI MAIOR...e nossas vidas seguem sem vcs....
Roseli Reis BObrigado a todos. Feliz Natal! Molica
Fernando MolicaMolica, Saúde, paz e sorte!Sempre! Você me apresentou a jovemYara, a grandiosidade dos seus 1m50, que fez e faz o Google tão menor em todos os sentidos. YARA DA CRUZ REIS, prazer em conhecê-la.
MiroMaravilha! Maravilha! O oráculo do século XXI não descobre nada sozinho. Só sabe o que contam pra ele. Abraços e Boas Festas!
Diego MoreiraPrezado Fernando, Foi assim que fiquei sabendo da morte da Yara. Que Deus a tenha. Parabéns pela beleza do texto. Tiflavio
Flavio Molica