WWW.FERNANDOMOLICA.COM.BR

Blog

PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

Tim Maia e o ‘dane-se’ de cada um


Por Fernando Molica em 25 de agosto de 2011 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 24/08/11

Tim Maia protagonizou situações capazes de enlouquecer o mais tolerante assessor de imprensa. Não seria simples construir uma imagem positiva de um sujeito que foi preso duas vezes, abusava de drogas legais e ilegais, não ligava para horários, desrepeitava compromissos, ignorava contratos e faltava a shows. Ainda hoje, a página do Tribunal de Justiça registra 15 processos cíveis contra Sebastião Rodrigues Maia e oito contra a Seroma, sua produtora e editora. A maioria dos processos foi arquivada, uma outra ação deve ser ser contra algum homônimo, mas Tim deu muita dor de cabeça a quem ousou contratá-lo.

Os excessos que abreviaram sua vida — morreu em 1998, aos 55 anos — não foram suficentes para abater sua imagem. Do Leme ao Pontal, do Oiapoque ao Chuí, amamos Tim Maia. Cantamos e dançamos suas músicas e, de certa forma, nos tornamos seus cúmplices tardios. A quantidade de respeitáveis senhores e senhoras de cabeças brancas que aplaude de pé o espetáculo ‘Tim Maia — vale tudo, o musical’ prova que o artista e o personagem sobreviveram. Por mais que condenemos os seus muito abusos, não dá para deixar de admirar um sujeito que disse tantos ‘dane-se’ ao longo da vida. Acabou o dinheiro, o cobrador está na porta, drogas e bebidas o impediam de ir a um show? Réu confesso, não vacilava em dar a resposta: “Dane-se” (a palavra não era exatamente esta). Claro que ele acabaria pagando o preço por tanta irresponsabilidade, nem seu gigantesco talento o tornaria imune a uma tamanha coleção de besteiras.

Não cabe fazer qualquer glorificação a um comportamento quase suicida como o de Tim Maia. Mas admitamos: quando rolamos de rir ao ver seu personagem, no palco, dizer um ‘dane-se’ talvez estejamos nos vingando dos sapos que, ao longo da vida, nos sentimos obrigados a engolir. No fundo, bem que gostaríamos de ter tido coragem de disparar alguns ‘dane-se’ a mais. Para o cobrador, para o professor, para o fiscal, para o chefe, para o patrão, para o governante, para o juiz e até mesmo para uma pessoa amada. Pneu furou? Vontade de levantar os ombros e gritar: fazer o quê? Dane-se, acenda o farol, eu quero é sossego. Tim verbalizou alguns dos nossos ‘dane-se’, aqueles que não conseguimos dizer. Cumpriu de forma dolorosa o destino de um artista sensível, que se tornou porta-voz, porta-dores e para-raios de angústias tão comuns a todos nós.

DEIXE SEU COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *