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Tragédias que apontam nas esquinas


Por Fernando Molica em 13 de fevereiro de 2013 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 30/1

Em 1968, diante do assassinato do secundarista Edson Luís, estudantes do Rio criaram uma frase simples e contundente para mobilizar a sociedade contra o regime militar: “Mataram um estudante, podia ser seu filho”. A palavra de ordem mostrava que ninguém estava de todo protegido dos tentáculos da ditadura. No caso de Santa Maria não é preciso qualquer estímulo externo para que possamos contextualizar o tamanho da tragédia. A dor que sentimos ao pensar nas inacreditáveis centenas de vítimas vem acompanhada de um medo abissal e incomensurável. Ninguém está livre de arapucas como aquela boate.

É como se conhecêssemos cada um daqueles jovens, eles poderiam ser nossos amigos, filhos de nossos amigos, ou amigos de nossos filhos. Estavam num lugar em que qualquer um poderia estar. Havia jovens de famílias ricas, pobres e de classe média. Conversei com um pintor, pai de um estudante (de Ciências da Computação) que morreu; com a mãe, empregada doméstica, de um outro (aluno de Design Industrial) que permanece internado.

É fundamental punir os responsáveis pelo crime ocorrido na Kiss, mas vale também lembrar das armadilhas que infestam nosso cotidiano e com as quais acabamos nos acostumando. Temos facilidade de apontar o dedo para os outros, mas resistimos na hora de aceitarmos nossas falhas. Até outro dia, muita gente achava normal beber e dirigir. Quem condena o Estado pela Operação Lei Seca também deve considerar absurdo que governos determinem o número mínimo de portas de emergência de um estabelecimento privado.

Na música ‘Haiti’, Caetano Veloso e Gilberto Gil enfileiraram transgressões brasileiras de cada dia — entre elas, o furar o sinal, “o velho sinal vermelho habitual” — e concluíram: o Haiti é aqui. É bom então, em meio ao luto pela catástrofe gaúcha, pensar no nosso Haiti quando o taxista, ao dirigir, vê TV e fala ao celular; quando o motorista do ônibus acelera muito além da velocidade permitida; quando, a cada Réveillon, Copacabana fica ainda mais superlotada; ou quando aceitamos que aquela boa casa de shows entupa o salão de mesas e cadeiras — obstáculos que, num incêndio, podem tornar quase inúteis as saídas de emergência, a maioria do público não conseguirá chegar até elas. Os exemplos são intermináveis, refletir sobre eles é essencial para que Santa Maria não seja aqui.

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