Um barulhinho nada bom nos cinemas
Por Fernando Molica em 23 de novembro de 2011 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 23/11
Os gigantescos aparelhos de TV devem ser os grandes culpados da transformação. Há algum tempo, filmes passaram a ser assistidos, principalmente, em nossas casas. O escurinho do cinema perdeu lugar para a claridade de salas de estar, onde as vozes dos atores e a trilha sonora enfrentam a concorrência dos telefones, gritos de crianças, latidos de cachorros, ruído do liquidificador e toque de campainha.
As rotinas domésticas não são completamente interrompidas quando a TV está ligada. Como estamos em casa, nos sentimos mais livres para falar, para comentar esta ou aquela cena. Afinal, ao nosso lado estão pessoas próximas, parentes ou amigos. Até aí, tudo bem: em nossa casa, temos toda a liberdade possível.
O chato é quando o comportamento doméstico é transplantado para lugares públicos; no caso, para as salas de cinema. Pode ser implicância ou excesso de mau humor, mas acho que, nos últimos anos, os cinemas têm ficado mais barulhentos. Parte do público parece se sentir obrigada a falar quando os atores estão calados. É como se momentos de silêncio ou de simples execução da trilha sonora não fizessem parte do filme, não passassem de uma espécie de intervalo concedido pelo diretor para que a plateia troque algumas palavras. Não há silêncio dramático que resista à profusão de conversas entre os espectadores.
Quem vai ao cinema preocupado em ver o filme enfrenta outros obstáculos, como a percussão provocada pelo chacoalhar de pipocas. Não basta comê-las, é preciso agitá-las, fazer com que elas fiquem mais salgadinhas. Para isso, o jeito é transformar aqueles baldes de papelão em chocalhos. Pouco importa se, na tela, a mocinha estiver se esvaindo em sangue ou se o bandido prepara a mira para arrebentar com os miolos do herói. Os suspiros da quase finada ou clact do engatilhar da arma ganham a companhia do chic-chic das pipocas sendo agitadas na caixa.
O xis do problema é a confusão entre espaços privados e públicos. Vá lá que essa história de privacidade ficou fora de moda — supostas celebridades detalham aspectos de sua vida sexual com a naturalidade de quem revela como escova os dentes. Mesmo assim, não custa tentar preservar as características de cada espaço. Ao contrário do que pode ocorrer no quarto ou na sala, nem tudo é ou deveria ser permitido entre as quatro paredes de um cinema.