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Um brinde no velório


Por Fernando Molica em 17 de agosto de 2011 | Comentários (1)

Foi muito bonito. Quando esperávamos uma oração pelo Casé, seu filho mais novo, Marcelo, começou a encher de cachaça copinhos plásticos dispostos perto do corpo do pai. Ajudado por uma amiga, esvaziou duas garrafas e, em seguida, distribuiu a bebida para parentes e amigos. “Meu pai — explicou — não gostava de rezas, mas tinha muitos amigos e adorava beber com eles.”

Conheci o Casé — pai do Marcelo, do Oscar e da Márcia, marido da Mariza — há 32 anos, assim que entrei para a faculdade. Frequentei seu apartamento de Laranjeiras, muitas vezes dormi por lá. Volta e meia achava temerário fazer meu fusquinha azul encarar, de madrugada, o trajeto entre a Zona Sul e o Méier, onde eu morava. No apartamento, ajudei a esvaziar uma ou outra ampola de Red Label e muitas garrafas de Brahma Extra. A geladeira era ampla e generosa — Oscar, o filho mais velho, apenas cumpria o dever de alertar-nos para a necessidade de deixarmos três garrafas intactas. Isto, para que ele não fosse punido com a suspensão da mesada: não seria razoável deixar seu pai com sede, sem ter o que beber.

Torcedor do Bangu, Casé era um pai pop. Camisa sempre aberta no peito, mocassins brancos, dava ouvidos aos sonhos e tolices que lá na sala do seu apartamento fazíamos questão de fazer desfilar. Não tinha o menor constrangimento em rebater nossos exageros relacionados com a crítica ao capitalismo e à esperança etérea de alguma revolução. Falava palavrão, nos dava bronca, nos tratava feito gente grande.

Crescemos, não teve outro jeito.Passei a ir menos ao apartamento de Laranjeiras. Há uns três anos, Casé ficou doente, o cigarro de tantos anos cobrou seu preço. Acompanhei de longe o tratamento, o vi bem disposto em fevereiro. Mas, há três meses, a situação piorou. Na madrugada de sexta, ele morreu em casa — não quis voltar a ser internado. Ao saber da notícia, lembrei de uma canção do Gilberto Gil, ‘Então vale a pena’. A letra diz que, se a morte faz parte da vida e se vale a pena viver, morrer vale a pena. Isto, se a gente teve tempo para amar e sofrer. Casé merecia mais tempo, mas se divertiu bastante por aqui. Como dizem os versos finais da música, quem sorriu cada alegria ‘Não teme a sua sorte/ Abraça a sua morte/Como a uma linda ninfa nua’. No sábado, brindamos por ele; no velório, fizemos o mesmo. Ainda há muito o que brindar, até porque o Casé não gostaria de nos ver com sede. Que a fonte nunca seque.

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Comentários
19 de agosto de 2011

Que beleza...

Marcelo Moutinho