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Um desfile que nunca termina


Por Fernando Molica em 03 de março de 2016 | Comentários (0)

O enredo que gostaria de ver no Sambódromo seria uma celebração aos desfiles, cortejos que nunca terminam. Uma homenagem como a que a Vila Isabel fez em 1984, quando levou para a Sapucaí um belo samba do Martinho da Vila que dava glórias aos trabalhadores do samba: escultores,pintores, bordadeiras, carpinteiros, vidraceiros, costureiras, figurinistas, desenhista e artesãos, “gente empenhada a construir a ilusão”.

Martinho frisava que tudo se acabava na Quarta-Feira de Cinzas. Já Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato pegaram o mote e batizaram seu ótimo livro sobre enredos de ‘Pra tudo começar na quinta-feira’ — uma forma de ressaltar que a preparação dos desfiles começa assim que termina um Carnaval. Com o devido pedido de licença aos três, eu apostaria na continuidade, num desfile que não tem começo nem fim, que faz parte de um mesmo todo. Afinal de contas, o processo é permanente, sem intervalo. Para reforçar este moto-contínuo, a comissão de frente da escola que traria o enredo vestiria as cores daquela que a antecedera na Avenida. Fantasias, alegorias e tripés reforçariam o tempo inteiro que cada escola é única em sua identidade, mas que faz parte um conjunto muito maior.

A divisão das alas mostraria as diversas etapas de preparação de um desfile, o detalhamento de um enredo, a escolha do samba, a apresentação dos protótipos de fantasias, a busca de grana, a elaboração dos carros alegóricos, o sufoco que é levá-los até o Sambódromo. O enredo falaria também dos torcedores, da gente que trabalha no entorno do Carnaval (vendedores de cerveja, de churrasquinho, de penduricalhos). A última ala ostentaria as cores da agremiação que viria em seguida, um jeito de convidá-la para a festa.

Tudo para reforçar que, adversárias na disputa pelo título, as escolas estão ligadas entre si — e a todos que as admiram — por elos simbólicos, peças fundamentais na construção do que somos. Uma corrente que vem de muito longe, que tem pontas perdidas no tempo, até hoje fincadas na África, na Europa, em tantos lugares, em todo o país. Corrente que não para de crescer e que nos liga aos nossos ancestrais mas que também nos remete a deuses, santos, caboclos e orixás. Força que emerge na nossa música, no nosso jeito de andar, de dançar, de celebrar, de encarar a vida. Uma história nada linear que não início nem fim, que planta hoje a semente que germinará no futuro e também no passado: o que ficou pra trás não morreu, vive e pode ser reinventado.

Estação Carioca, O DIA, 15/2.

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