Um novo rosto da mesma Igreja
Por Fernando Molica em 15 de abril de 2014 | Comentários (0)
Coluna ‘Estação Carioca’, 24/02/14:
Para muita gente, o Papa Francisco é uma espécie de ponto fora da curva na Igreja. Isto, por conta de sua informalidade, pelas diferenças em relação ao seu antecessor. Esta análise é feita principalmente por quem tenta aplicar à Igreja Católica, instituição de dois mil anos, conceitos usados, no dia a dia, para tratar de temas como a política.
A disputa de poder entre partidos envolve divergências muitas vezes inconciliáveis, propostas antagônicas, excludentes. Na Igreja, são todos de um mesmo partido. Por mais diferenças que haja num universo tão grande de religiosos e leigos, todos vestem a mesma camisa, obedecem a um mesmo homem — o papa — e têm uma referência comum, Jesus Cristo. Ao longo de tantos séculos, papas, cardeais, bispos e padres notaram que, juntos, seriam quase imbatíveis. Dependendo da situação, muda o esquema do jogo. Em alguns períodos, a bola fica mais com os seguidores de Paulo, o pregador, que viajava para converter os povos. Em outros, o jogo se concentra nos afeitos a Pedro, o construtor da instituição. Mas todos, insisto, jogam no mesmo time.
No anos 1970 e 1980, as ditaduras na América Latina aprofundaram as brigas na Igreja. O surgimento da Teologia da Libertação ajudou a dividir seus integrantes entre progressistas e conservadores — a queda de braço entre os dois setores foi tema de muitas páginas de jornais. A enquadrada promovida pelo Papa João Paulo II e seu lugar-tenente, Joseph Ratzinger, jogou para escanteio os principais teólogos da libertação. Batalha vencida? Nada disso. A eleição de Ratzinger para papa foi como aquele drible a mais, a jogada que compromete uma partida já ganha. Sob Bento XVI, a Igreja se mostrou excessivamente dura, o que provocou muita grita.
A renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco corrigiram os excessos. No lugar do tímido teólogo alemão veio um argentino alegre, brincalhão, fã de futebol. Ao forçar a partida por outro lado do campo, ele compensa excessos anteriores: em menos de um ano, tocou em temas incômodos como pedofilia, detonou a antiga direção do Banco do Vaticano, acenou com mudanças no campo moral. Francisco, porém, não representa uma ruptura, é apenas a prova que a Igreja continua forte, pedra muito bem assentada em Roma. Ele encarna a outra face de uma instituição que, ao longo dos séculos, soube mudar para permanecer viva e atual. Voltando ao futebol, é como se, dependendo do jogo, o atacante optasse em driblar pela direita ou pela esquerda. A posicao do gol, porém, é a mesma.