Um país que não pode voltar
Por Fernando Molica em 23 de março de 2016 | Comentários (0)
A frase “Quero meu país de volta”, vista em atos contra Dilma e o PT, permite muitas interpretações. Como temos um histórico complicado na prestação de serviços públicos e grande parte de nossos políticos nunca se destacou pela honestidade, fica a dúvida sobre o que causa tamanha nostalgia. É preciso, portanto, ver que país é esse.
Começamos mal, levamos, depois de independentes, 66 anos para acabar com a escravidão. Até intelectuais como o escritor e deputado José de Alencar diziam que a Abolição teria efeitos terríveis na economia. Ele afirmou que “nossos costumes” e “índole generosa” impregnavam a escravidão de “brandura e solicitude”. Depois da Abolição, muitos ex-proprietários de seres humanos exigiram ser indenizados — queriam compensação pelo fim do que consideravam ser o país ideal.
Por conta da exigência de renda mínima para que alguém pudesse ser eleitor, o voto, em 1872, era privilégio de apenas 13% da populaçao. A universalidade só viria com a República, mas mulheres e analfabetos demoraram décadas para que fossem admitidos como eleitores. E olha que, na corrupta República Velha, o voto não era secreto, o que possibilitava incontáveis fraudes. Não dá pra ter saudades daquele país, nem daquele que o sucedeu, a ditadura do Estado Novo.
Depois de 1945, o país viveu sucessivas crises políticas que desaguaram no Golpe de 1964, fruto de bem-sucedida articulação entre militares, lideranças políticas e empresariais respaldada por quase todos os jornais. Quem diz sentir falta do regime militar deveria dar uma olhada nos números. O censo de 1980 apontou que a taxa de analfabetismo era de 25,5 % da população, índice que caiu para 13,6% em 2000 e chegou a 8,3% em 2013. O percentual ainda é muito alto, mas a redução, obra dos governos civis, tem que ser comemorada.
A expectativa de vida em 1980 era de 62,57 anos, pulou para 70,44 anos em 2000 e chegou a 75,2 anos em 2014. A mortalidade infantil, de 69,12 por mil nascidos vivos em 1980, despencou para 27,4 em 2000 e foi a 14 em 2012. Nossa desigualdade é absurda, mas, de acordo com índice Gini, caiu de 0,625 em 1977 para 0,522 em 2012 (em 1989, bateu 0,637). Derrubada pelo Plano Real, a inflação voltou a subir, mas os atuais 10% não se comparam aos 215% deixados pela ditadura em 1984.
É fundamental lutar por um Brasil menos corrupto, nada indica que a roubalheira tenha diminuído, é razoável admitir que tenha aumentado, mas não dá pra ter saudades de um país mais desigual, onde as pessoas morriam mais e mais cedo.
(Estação Carioca, O DIA, 21/3)