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Um racismo mais ou menos sutil


Por Fernando Molica em 19 de junho de 2017 | Comentários (0)

Assinada por Claudia Fix, esta resenha de ‘Bandeira negra, amor’, foi publicada na edição de junho da revista alemã LateinAmerika Nachrichten.
‘Bandeira negra, amor’ (‘Schwarz, meine Liebe’) , de Fernando Molica, Edition Diá.

Em 1990, passei seis meses no Rio de Janeiro num apartamento no Leme, uma parte sossegada de Copacabana. Logo acima da rua, num morro, havia uma favela, Chapéu Mangueira. Esta vizinhança, mais um local de moradia de trabalhadores do que de pobreza extrema, era conhecida por conta de Benedita da Silva, a primeira mulher negra a chegar ao parlamento municipal, depois, ao estadual e, em seguida, ao Senado.

Foi bem perto de sua casa que três jovens foram atingidos por tiros. Um profissional de educação garantia que um dos rapazes tinha boa reputação (não era traficante de drogas) e cobrava a apuração do caso. É provável que a origem do rapaz, militar, e a proximidade com a casa de Benedita da Silva tenham ajudado a tornar o caso conhecido, mas os crimes nunca foram esclarecidos. Os disparos foram feitos de um carro da polícia, os jovens foram talvez vítimas atingidos de forma aleatória, provavelmente um recado, uma cobrança de dinheiro pela proteção oferecida.

O ponto de partida escolhido por Fernando Molica para seu romance ‘Bandeira negra, amor’, publicado em 2005, é semelhante: três adolescentes da Favela do Borel são encontrados mortos depois de terem sido torturados, um deles tinha assinado um contrato com um time de futebol inglês. Surge então a suspeita de que eles não teriam sido vítimas de uma guerra de quadrilhas de traficantes, haveria policiais envolvidos no caso. Assim como na vida real, a investigação do caso é complicada, assim com a apuração interna da polícia.

Os principais personagens deste romance – trata-se de um livro policial apenas de passagem – são os integrantes de um casal improvável, formado por Fred – um advogado negro e ativista de direitos humanos – e a branca Beatriz, major da Polícia Militar. Eles têm vidas independentes, mas secretamente trocam informações e permitem a Molica a possibilidade de tratar do tema real do romance, o racismo cotidiano no Brasil.

Fred, o respeitável dr. Frederico Cavalcanti de Souza, passou por todas as fases de uma educação destinada a “embranquecê-lo”, o que incluía o uso, todas as noites, de uma touca destinada a alisar seu “cabelo ruim”. Mesmo assim, apesar de seu terno bem cortado, ele ainda é confundido com um manobrista na saída de um restaurante – a cor da sua pele é um uniforme suficiente. Nestas circunstâncias, viver uma relação aberta com uma policial militar branca é algo impossível para ambos.

‘Bandeira negra, amor’ foi escrito quase que exclusivamente com longos monólogos interiores. Jornalista, Fernando Molica, desde 1982, trabalhou em vários jornais, na TV Globo e, atualmente, está na rádio CBN, no Rio de Janeiro. No livro, seus personagens utilizam uma poderosa linguagem do cotidiano brasileiro algo que, infelizmente, é um pouco perdido na tradução. Não que o livro seja mal traduzido, mas porque não há, na língua alemã, algo tão poderoso como um dialeto ou as gírias vindos de uma cultura jovem. Neste segundo romance, Molica abordou diversos pontos importantes e nos leva a lugares pouco conhecidos da “cidade maravilhosa” do Rio de Janeiro.

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