Um retrato do Brasil
Por Fernando Molica em 31 de março de 2016 | Comentários (0)
Nelson Vasconcelos escreve, na coluna ‘Leitura de Bordo, de O DIA, sobre ‘Uma selfie com Lenin’.
Não é nada fácil entender este Brasil tão torto. Mas a gente consegue alguma ajuda em livros como “Uma selfie com Lenin”, do nosso Fernando Molica. Página após página, ele derruba seu oponente na base da muita porrada, mas sem pressa, levando a briga até o último parágrafo. Cabe ao leitor decidir para que lado vai torcer — ou até mesmo desistir de qualquer torcida. O Brasil, afinal, é uma questão de fé…
“Uma selfie com Lenin” é a carta furiosa de um jornalista para sua ex-mulher e ex-chefe, a quem deve sua fortuna e suas desditas. Inteligente e ambiciosa, Eloísa Blaumsfield era a estagiária que subiu na vida e tornou-se competente assessora de políticos e poderosos. Aprendeu a dançar conforme a música do mercado e fez muito dinheiro distorcendo a realidade. De quebra, leva para seu mundo (corporativo e amoroso) o jornalista idealista, profissional de primeira linha.
Só que ele não tem o mesmo DNA da companheira. As armações políticas em nome de interesses bem particulares não o deixam exatamente feliz. Apesar do sexo bom com a vibrante Eloísa, não é esse tipo do amor eterno que o jornalista-narrador está buscando.
O narrador, afinal, talvez seja o último romântico num contexto geral vergonhoso. Ele quer porque quer um país melhor, limpo, quer pessoas éticas, íntegras, quer o melhor para todos. Não consegue, mas toca sua vida ao lado de Eloísa, até mesmo contribuindo com a lama que atravanca o país. O mercado suga. Alguns gostam, outros não.
Uma hora esse descompasso de lógicas e desejos acaba pesando, pois tudo tem limite quando a alma não é pequena. E ele chega. É aí que vemos como a novela do Molica lida tão bem com as contradições da vida alucinada dos nossos tempos.
Comentar mais que isso pode atrapalhar o prazer da leitura. O narrador escreve sua carta-desabafo em um de seus voos pelo mundo. Ele também circula pelas ruas do Rio, e nem poderia ser diferente. A prosa é acelerada, sem firulas. Entre bons achados, a sequência no Edifício São Borja, na Cinelândia, é puro cinema. Só falta falar.