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Um rosto duro e caridoso de Deus


Por Fernando Molica em 12 de julho de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 11/7:

Entre as diversas faces possíveis de Deus, Dom Eugenio Sales escolheu interpretar a mais próxima da tradição católica: a do pai rígido, vigilante e, mesmo assim, caridoso. Em nome de sua fé e de seus princípios, não vacilou em se tornar um dos líderes do movimento que ajudou a dizimar a chamada Igreja progressista, a da Teologia da Libertação. O processo que culminou com a punição a Leonardo Boff começou, em 1981, na Arquidiocese do Rio, com a condenação do livro ‘Igreja, carisma e poder’, escrito pelo então frade franciscano. Dom Eugenio também expurgou da PUC professores que julgava comprometidos com a associação entre cristianismo e socialismo.

O cardeal vivenciava o ditado que prega fé em Deus e pé na tábua. Em nome d’Ele, condenava o Carnaval e conseguiu a proibição do Cristo Mendigo da Beija-Flor, repudiava o que classificou de imoralidade nas novelas de TV, reclamava do divórcio e não admitia a propagação do uso de camisinhas como forma de prevenção à Aids — em 1992 deu o título de ‘O vírus da libertinagem’ a um de seus artigos sobre a doença. Vigilante, não perdoou uma brincadeira de Carnaval e chegou a pedir aos jornais que não publicassem o nome do bloco Suvaco do Cristo. Não se constrangia em comprar brigas na CNBB, entidade que reúne os bispos do País. Certa vez, recusou-se a veicular o material produzido pelo colegiado para uma das campanhas da fraternidade. Tratou de encomendar vídeos e cartazes mais compatíveis com sua visão de mundo.

Longe dos holofotes, acolheu milhares de exilados latino-americanos e protegeu brasileiros perseguidos. Não concordava em nada com os projetos revolucionários defendidos por aqueles homens e mulheres, mas, como cristão, sentia-se obrigado a defendê-los. A ajuda não era um gesto político, mas de fé e de solidariedade humana. Não admitia ofensas a Dom Hélder Câmara, que chegou a ter seu nome proibido de ser publicado nos jornais durante a ditadura. Dom Eugenio ampliou as atividades assistenciais do Banco da Providência e abriu as portas de seus ambulatórios para as vítimas da Aids. Radicalizou o princípio de odiar o pecado e de amar o pecador.

O arcebispo nunca teve medo de expor suas opiniões; é justo que, depois de sua morte, esta característica seja ressaltada. Negar suas aparentes contradições seria um desrespeito à memória desse homem que tanto marcou a vida brasileira.

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