Um tatu e sua carapaça
Por Fernando Molica em 13 de janeiro de 2019 | Comentários (0)
Embalado por uma caprichosa edição da Nós, Tatu, romance de estreia da francesa Paula Anacaona, é um divertido – e por vezes angustiante – passeio pelas relações de classe no Brasil, revela um olhar estrangeiro sobre as tensões que marcam o racismo entre nós. Uma visão original – a protagonista, Victoria, é filha de pai negro e mãe branca. E é rica, muito rica, e muito poderosa, preside uma grande empresa que tem sede em São Paulo.
As características da personagem – estrangeira, negra e milionária – permitem que ela tenha uma visão original do nosso cotidiano. Mais: fazem com que viva num permanente desconforto por não saber onde se encaixar numa sociedade desacostumada a conviver com pessoas assim. Nem ela sabe bem como administrar as próprias contradições.
No início do livro, Victoria se depara com o próprio preconceito – estranha quando um negro que usa dreadlocks a chama de “sister”, Como assim? “(,,,) não tenho nada em comum com esse rasta, fora a cor da pele, ainda que minha seja mais clara (…).” Ao longo do romance, narrado em primeira pessoa, descobre que sim, tinha muito em comum com o Negro (citado assim, com maiúscula).
Ela percebe que precisava criar o próprio papel, redefinir seus relacionamentos com a própria cor, com outros negros, com o Brasil, com a França, com os pais, com os ex-maridos, Irônica, não abre mão de definições cruéis para personagens que cruzam seu caminho, não poupa nem mesmo aqueles que a recebem num sarau literário promovido na periferia paulistana. Não nega seu lugar de observação, ainda que o saiba limitado. Tão restrito que, para facilitar a busca de si, resolve criar personagens, mulheres que representam diferentes possibilidades para sua vida.
O tatu do título é uma referência à comparação feita por aquele que viria a ocupar o posto de Segundo-Marido: “Você me lembra um tatu. Com sua carapaça, sua armadura de escamas, sua maneia de se enrolar sobre si mesma para se tornar uma bola compacta, impossível de abrir, de incomodar, de penetrar…”. O livro narra a tentativa de Victoria-Tatu de buscar uma uma saída, de não ficar apenas rolando por aí num território cheio de armadilhas.