Uma Iracema frustrante na Beija-Flor
Por Fernando Molica em 27 de fevereiro de 2017 | Comentários (0)
Estava no Sambódromo quando Joãosinho Trinta e Laíla – dois de nossos maiores artistas, em qualquer área – encheram a pista de mendigos que teatralizaram e colocaram de cabeça pra baixo o cortejo das escolas. Meninos, eu vi – e como sou grato por isso. Não sou, portanto, avesso a novidades, Ao contrário, o samba e as escolas sobrevivem porque são capazes de unir tradição e inovação.
O problema, portanto, do desfile da Beija-Flor que vi na manhã de hoje não tem a ver com novidade, mas com realização. Eu estava numa frisa, na mesma altura da pista, e não consegui perceber a tal teatralização de cenas do enredo. Vi apenas zilhões de índios com fantasias simples, que tinham apenas algumas variações. Só fui ver as tais cenas no compacto exibido há pouco pela Globo.
O espetáculo das escolas de samba tem características bem peculiares. É feito a céu aberto, em via pública, para 70 mil pessoas. Não conta com elementos que, num espaço fechado, induzem a atenção do público, como a iluminação. O único texto formal é a letra do samba-enredo (a grande maioria do público não tem acesso ao roteiro delhadado dos desfiles, nem teria paciência para ler aquele calhamaço – isso é carnaval, caramba). Ou seja, os elementos de um desfile têm que ficar bem claros, bem evidentes – desfile é ópera italiana, Verdi na veia, não é cantata barroca; é Tim Maia, não João Gilberto.
Não se pode querer um desfile apenas para uns poucos ilustrados, bem-informados, e bem localizados no Sambódromo. Como uma boa novela das nove, um ótimo desfile tem que ser inovador e, ao mesmo tempo, ter uma carga de redundância que permita ser entendido por um público imenso. E, nisso, a Beija-Flor falhou. É uma pena, a ideia de radiacalizar a teatralização, de estabelecer uma nova forma de narrar o enredo é bem legal, tomara que não seja esquecida.
OK, teve a ruptura com o esquema das alas, a novidade de fantasias iguais, mas diferentes. O problema é que isso não ajudou no desfile, ficou a curiosidade pela curiosidade. Saí do Sambódromo lembrando do caso daquele cantor de jazz que veio ao Brasil há uns 30 anos. Na época, a imprensa destacava que ele era capaz de imitar vários instrumentos, ou seja, frisava uma mera curiosidade. Prefiro ouvir um saxofone a um sujeito que imite um saxofone. Uma inovação tem que ser boa por conta de seu resultado. Vale o descrito.