WWW.FERNANDOMOLICA.COM.BR

Blog

PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

“Uma selfie com Lenin” traz ficção contemporânea


Por Fernando Molica em 31 de março de 2016 | Comentários (0)

Resenha de Carol Botelho publicada em 30/3 na ‘Folha de Pernambuco’.

Escrita ágil como filme de ação, vai direto ao ponto, sem encher linguiça, parece que coloca o leitor logo no centro do furacão, no meio da tempestade, na crista da onda do tsunami. É basicamente sobre viajar sozinho. A jornada começa desde a compra das passagens feita com cartão de crédito no computador até o embarque no aeroporto, passando pelas fotografias, o caminhar pelas ruas, a observação das pessoas…

Difícil encontrar quem já não tenha passado sufoco em uma viagem de avião. Ainda mais para o Exterior; pior ainda em um lugar onde não dominamos a língua. No aeroporto, aquele saguão gigantesco, onde temos que nos locomover de ônibus de um portão de embarque para outro, nossa, é de dar nos nervos ou de proporcionar lembranças cômicas.

Em “Uma selfie com Lenin” (Editora Record, 112 páginas, R$ 29,90), o escritor Fernando Molica narra a viagem de um jornalista pelo mundo. Uma das várias cenas engraçadas se passa no aeroporto Charles de Gaulle, quando uma paulista, desesperada, sem saber como pegar o ônibus para chegar ao trem que a levaria a Barcelona, dá um grito para um faxineiro do aeroporto: “‘Meu, como pego o trem para Paris?'” Assim mesmo, em paulistês arcaico (…)”.

Depois o autor ainda levanta a tal questão da tecnologia, que parece que veio para nos ajudar, mas quando o sistema sai do ar, é uma trapalhada que pode custar ao passageiro horas de espera e desamparo. Mas o autor até gosta de fazer tudo sozinho: comprar a passagem, imprimir, fazer check-in, dormir… Essa parte nem tanto. O livro é na verdade uma longa missiva para a ex-esposa, também jornalista, sua ex-chefe, para quem ele narra sua viagem e o que aconteceu antes dela, incluindo o relacionamento dos dois e o trabalho – o ex-casal trabalhava junto.

Como todo ex-casal, o narrador sempre trata de dar umas alfinetadas em Eloísa – o nome da ex. “Como serão os aeroportos daqui a uns 20 anos, quando nós, melhor, quando eu estiver velho? (Esqueci que mulheres como você não envelhecem)”.

Ou­tro momento humorístico é quando ele compara Eloísa a um sabão em pó: “aquele que lava mais branco, uma Suíça em forma de gente”. É que Eloísa é assessora de político, daquelas que consegue limpar imagem até de cara mais sujo do que pau de galinheiro.

Homem com toda pinta de inseguro, nosso narrador enaltece a ex como se ela fosse uma dama de ferro, “bonita, charmosa, elegante. (…) sono conquistado graças à dose extra de Clonazepam, (…) air bags químicos que absorvem tantos impactos”.

Bom, nem tão de ferro assim. Mas o narrador é um cara que parece arrependido de ter se bandeado para o lado da politicagem, da jogatina – não que todo assessor de político seja assim – pois ele era um jornalista de reputação ilibada e salário baixo antes de conhecer Eloísa. O fato é que se bandeou e agora foge do passado, do presente, do futuro.

As lembranças de outras viagem durante a atual viagem-fuga desse homem solitário quarentão recorda tempos que os de 20 não sabem nem como é. Tipo levar uma máquina fotográfica analógica com um filme de rolo de 60 poses para passar 30 dias, ou seja, só é permitido ao casal de turistas tirar duas fotos diariamente e ainda assim nem saber se vão ficar boas. Só quando voltarem da viagem.

Na verdade, nosso incrédulo narrador acha que as gerações futuras não terão saco nem de guardar fotografias em álbuns. “Não ficarão nem co­mo registro de época (…) a ausência delas é que marcará uma época onde não haverá passado (…), em que fotos servirão apenas para lembrar do ato de se bater uma foto.”

Nosso narrador-viajante se sente como um personagem de jogo eletrônico 3D, colocado em um mundo de mentirinha onde não conhece ninguém e ninguém o conhece. Ele parece aquele meme de John Travolta em “Pulp Fiction” que anda circulando na internet.

Nós bem sabemos o que uma viagem de mais de sete meses pode fazer por nós. Uma rebobinada na vida em certos momentos, uma boa amnésia dela também cai bem, e oscilamos entre esses dois momentos. Esquecemos para depois lembrarmos quem somos e termos absoluta certeza disso. Não precisa nem ser por tanto tempo nem para tão longe. Qualquer pequena viagem pode fazer muito por nós. Até mesmo aquela que fazemos sem sair do lugar, através de um bom livro.

SAIBA MAIS

AUTOR – Fernando Molica já teve dois de seus livros lançados na Alemanha; foi, por duas vezes, finalista do Prêmio Jabuti; é jornalista e assina uma coluna diária no jornal carioca O Dia.

SERVIÇO

“Uma selfie com Lenin”, de Fernando Molica
Editora: Record (112 páginas)
Preço médio: R$ 29,90

DEIXE SEU COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *