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Venezuela


Por Fernando Molica em 30 de abril de 2019 | Comentários (0)

Sobre a situação na Venezuela, vale ouvir o que disse Lula na entrevista da semana passada – e ele não pode ser chamado de anti-chavista::

“Eu não esqueço o dia que eu fui na Venezuela visitar a base do Fuso, e o Hugo Chávez me contando, todo entusiasmado, engenheiro soviético montando lá… e eu tinha saído do hotel, que não tinha leite nem ovo. Eu falei “Chávez, você não sabe que a segurança alimentar é a arma mais importante para um país? Aí você gastou não sei quantos bilhões nisso aqui…E é capaz de ter uma guerra e você e os soldados não terem força…não tinha leite nem ovo no hotel, Chávez…”.

Em janeiro, estive em Caracas por uma semana. Seis anos depois da morte do Chávez, a situação era muito pior. Fui em áreas pobres da cidade, em favelas. Em todos os lugares, mesmo em redutos chavistas, ouvi a mesma queixa: “Tenho fome.” Não há ideologia que resista a algo tão básico. A oposição, antes concentrada nos ricos e nas classes médicas, ganhou força entre os mais pobres. A gasolina, na prática, é de graça, mas o trânsito havia melhorado, muitos carros não circulavam por falta de peças de reposição. Era difícil trocar dólares por moeda local, não havia sequer papel moeda suficiente, os bancos limitavam os saques, todo mundo só usava cartão. Um simples almoço tinha que ser pago com bolos de notas. O país parecia derreter.

Em seu governo, Chávez enfrentou o conservadorismo venezuelano, melhorou a qualidade de vida dos mais pobres, mas, ao mesmo tempo, aumentou a dependência do país em relação ao petróleo, brigou com todo mundo (e todo mundo brigou com ele) e embicou numa lógica autoritária e militarista – militares, da ativa, controlam toda a economia, até mesmo a distribuição de alimentos (há o general que cuida do arroz, outro responsável pela carne, um terceiro que trata de papel higiênico – tudo isso é oficial). Além disso, criou guardas e milícias, armou muita gente para controlar a oposição (de larga tradição golpista, é bom ressaltar).

No Brasil, muita gente da esquerda acusa o PT de ter conciliado demais com a elite e com os muitos PMDBs. Na Venezuela, Chávez se isolou e foi isolado. Depois de sua morte, a situação degringolou de vez, Maduro não tem o talento do antecessor, sua capacidade de articulação e de mobilização. Diante da crise, o atual presidente optou pelo enfrentamento, pelo rompimento com práticas democráticas, pelas prisões arbitrárias e pela tortura. Seria difícil não haver uma revolta – e, insisto, as pessoas estão com fome.

Adendo provocado pelo pertinente comentário do Flávio Izhaki: não dá pra dizer que o caminho de conciliação adotado pelo PT era o único possível, até por conta dos acordos espúrios que a prática envolveu. E, no fim das contas, o PT acabou derrubado. Nada é simples: não é possível resumir a história e dizer que Chávez errou e que Lula acertou. A questão é bem mais complexa, e envolve tradições políticas e culturais dos dois países. Os caras lá têm um histórico de conflitos bem mais pesado que o nosso. Fica também um medo – além do conflito esquerda/direita, há a demonstração clara dos riscos de um processo de radicalização. O processo de intolerância adotado no Brasil nos últimos anos, e radicalizado nos últimos meses, é muito preocupante.

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