Verdades cariocas
Por Fernando Molica em 13 de outubro de 2009 | Comentários (4)
As resenhas e reportagens sobre Mentiras do Rio (Record), livro de estreia de Sergio Leo e que faturou o Prêmio Sesc de Literatura, não esquecem de citar que o autor é jornalista, carioca e mora em Brasília. É assim mesmo: nós, jornalistas, gostavamos de definir, enquadrar, delimitar campos. Não deixa de ser tentador o mote de classificar o livro de contos a partir da biografia do SL: um jornalista carioca exilado em Brasília teria um distanciamento suficiente para produzir algo crítico, que desconstruísse a imagem de um Rio encantado. Mentiras do Rio teria assim um título que resumiria esta desconstrução.
Mas as mentiras são outras. De cara, o livro tem muito pouco a ver com o SL jornalista. Esta talvez seja a primeira mentira ou armadilha que ele plantou. Se existe algum (argh!)determinismo biográfico no livro isso tem a ver com uma faceta menos conhecida do autor. O SL é também artista plástico – desenha, pinta e, se não me engano, andou se arriscando pela gravura.
Então, suspeito (e essa suspeita é útil apenas para a construção do comentário, para uma determinada leitura): o escritor Sergio Leo tem muito mais a ver com o artista plástico do que com o jornalista. As melhores histórias de Mentiras do Rio são como quadros que isolam alguns momentos e que dão ao observador a possibilidade de criar possíveis passados e futuros para os personagens. Atire o primeiro pincel quem nunca fez isso diante de O absinto, de Degas, ou das obras de Edward Hopper.
Há no livro diversos contos que incorporam esta lógica, que permitem ao leitor tornar-se cúmplice – do autor ou mesmo dos personagens – na busca do que veio antes e no que pode ter ocorrido depois. SL parece divertir-se com esse jogo – tanto que lança pistas falsas, caminhos tortos. Chega a abrir um conto (“Mentira”), com a frase: “Isso é falso.” Nesta pantanosa faixa erguida entre tantas dúvidas desfilam personagens como velhos solitários, a putinha desamparada e o artista plástico que tenta, a partir do trabalho de um colega, criar uma obra que, de certa forma, questionaria a lógica desenhada e propagada por aquele primeiro autor. Daria certo? Respostas no livro.
Mentiras do Rio tem até uma espécie de conto-manifesto, “Iuygfln”, uma história em que um estranho idioma surge num determinado terminal de computador, para fascínio e desespero de seu leitor solitário, que passa a viver em busca dos mistérios escondidos por trás de palavras aparentemente óbvias. É ali, naquele caos de consoantes e vogais, que ele descobre um outro jeito de ver/ler aquilo que o cerca. Até porque, no fim das contas, cada um de nós tem seu próprio idioma, sua maneira de ler o mundo; como uma pintura que varia dependendo da luz e dos olhos de quem a vê. Se a Verdade é inexistente por definição, cabe procurá-la e construí-la entre tantas possibilidades – o que inclui, claro, o recurso a algumas mentiras.
E por falar em mentiras: sempre soube que o Sergio Leo era cearense. Pelo visto, essa história de ter nascido do Rio não passa de outra armadilha do autor.
Que bom, rapá. Até Passo Fundo!
Fernando MolicaCamarada, assim v. me emociona. Resenhista que nos explica a própria obra é raro, você foi feliz a pampa. Aliás, feliz fiquei eu por merecer resenha assim. Forte abraço, e te vejo em Passo Fubndo, tchê.
SLeoCom aquelas leituras todas para a Bienal e, agora, as eleições na OAB, inda não consegui ler. Estou em falta com o Sérgio...
Marcelo MoutinhoÓtima resenha; e ainda deu vontade de ler o livro =] abraço, LJ
Leandro Jardim