Vilma, Maria Helena, Joãosinho, Jamelão
Por Fernando Molica em 21 de fevereiro de 2010 | Comentários (2)
Na madrugada de hoje, há algumas horas, me emocionei ao ver Vilma dançar. A veterana porta-bandeira desfilou na Grande Rio ao lado de seu antigo parceiro, o mestre-sala Benício. Agora, pela manhã – ôps, são quase duas da tarde – lembro que já a assistira no Sambódromo, mas em desfiles da Tradição, clone imperfeito da Portela. Não foi a mesma coisa. Hoje, há algumas horas, a vi, pela primeira vez, dançar com a bandeira de sua verdadeira escola. Foi um privilégio estar lá.
Mangueirense desde sempre, gosto da Portela – talvez pela identificação da escola com o Botafogo. Isso ajuda a explicar o impacto da presença de Vilma Nascimento na avenida. Mas há outras razões. Ao lado de Vilma estavam Maria Helena e Chiquinho, mãe e filho, ex-primeiro casal da Imperatriz. Lembro que os entrevistei em algum Carnaval passado (comecei a cobrir desfiles em 1982, sou da era pré-Sambódromo!). Nesta madrugada, os dois voltaram a exibir e a proteger a bandeira da escola.
No mesmo desfile da Grande Rio também havia Joãosinho Trinta, destaque no carro que relembrava o pra lá histórico “Ratos e urubus” (foi em 1989, era dia claro, eu estava na pista e, como tantas e tantas pessoas, fui quase nocauteado por uma Beija-Flor que enchia o Sambódromo de mendigos e radicalizava na teatralização do desfile). Foi emocionante ver o carnavalesco aplaudido, esforçando-se para ficar de pé (um AVC o obriga a usar uma cadeira de rodas). O desfile foi encerrado com uma alegoria que homenageava Jamelão – mais do que justo.
Aplaudi muito todas essas pessoas que tanto ajudam a tornar minha vida mais alegre e bonita. Era a única forma de agradecer a esses personagens que, há muitos carnavais, me surpreendem e renovam minha esperança num país mais justo e feliz. É meio chavão dizer isso, mas é impossível não acreditar na capacidade de um povo que faz um espetáculo como o das escolas de samba.
Aquelas ilustres presenças contribuíram para renovar algo essencial nas escolas de samba – e, claro, nas religiões afro-brasileiras: a lógica da ancestralidade, a certeza de que estamos aqui apenas porque houve quem nos precedeu. São pessoas que merecem todo o nosso carinho, honrá-las é também um jeito de preservarmos nossas próprias histórias nas vidas que seguirão às nossas. Mantê-las vivas é uma forma de buscar alguma imortalidade para nós mesmos.
Nunca simpatizei com a Grande Rio, que sempre me pareceu artificial, desenraizada, nascida de um projeto de legitimação pessoal. Uma escola nova (é de 1988) e rica, nova-rica. Volta e meia eu ignorava seus desfiles: até brincava, dizia que a Susana Vieira era a única representante de sua velha guarda. Desta vez, a escola me emocionou. Mais, ao elaborar um enredo com base em grandes momentos de outros carnavais, a Grande Rio pode ter dado, enfim, um grande passo para sua legitimação. Ao reconhecer a precedência de outras agremiações e sambistas, a escola bateu cabeça, cultuou seus ancestrais no mundo do samba. Tomara que tenha aprendido – Vilma, sozinha, vale mais do que todos aqueles atores da escola que já foi chamada de Unidos do Projac.
Ah, vale registrar: na noite de sábado, logo depois do desfile da Mangueira, Delegado – o próprio, o maior mestre-sala do Carnaval, honra e glória da Estação Primeira – sentou-se na mureta daquele viaduto que passa atrás da passarela, na altura do setor 9 das arquibancadas. Vestido de verde e rosa, sozinho, parecia feliz, tranquilo. Volta e meia era reconhecido e cumprimentado por pessoas que estavam por ali, em torno da passarela.
Eu não consegui assistir o desfile todo da Grande Rio mas tive a mesma impressão que você. Até então a Grande Rio não significava nada além de escola de samba dos atores, cheguei a rir desse enredo e achar que seria ridículo na avenida, me surpreendeu e muito a homenagem que a escola fez às outras Escolas de Samba. Emocionante relembrar os momentos marcantes de outras escolas e homenagear muitos nomes que nem em suas próprias escolas foram homenageados. Por esse carnaval, a Grande Rio conquistou minha confiança, esperemos pelos próximos. Parabéns pelo belo texto.
AmandaÉ por essas pessoas que eu brigo, grito, escrevo.
Marcelo Moutinho