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Viver para contá-la


Por Fernando Molica em 13 de fevereiro de 2013 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 06/2

Rio – A Karla Rondon Prado bateu um bolão, aqui neste retângulo, ao tratar dos dilemas e riscos que envolvem a decisão de expor, na primeira página de um jornal, esta ou aquela foto de uma tragédia. É duro editar, é duro cobrir, escrever. Entre os profissionais e voluntários presentes num episódio como o de Santa Maria, nós, jornalistas, somos, em tese, os mais dispensáveis. Não sabemos apagar incêndios nem, muito menos, fazer procedimentos médicos que podem salvar vidas.

Nossa presença incomoda, gera uma espécie de ruído em ambientes ocupados por uma dor sem tamanho. Protegidos por nossos bloquinhos, microfones ou câmeras, nós temos a tarefa de contar aquela história; isso implica em perguntar, em fotografar. É quase obrigatório nos aproximarmos, puxarmos alguma conversa com parentes de vítimas.

Por mais que sejamos cascudos, é impossível não ficarmos comovidos diante daqueles pais, mães, avós, namorados, amigos, vizinhos. Como agir, o que dizer, o que perguntar para os pais de um rapaz de 19 anos que, na madrugada, velam o corpo do filho diante do púlpito de uma igreja evangélica? Como prender o choro ao ouvir a mãe, dona de casa, dizer que ela e o pai, pintor, nunca deixaram faltar nada àquele menino, estudante de Ciências da Computação da Universidade Federal de Santa Maria? Como não pensar nos nossos filhos, nos filhos dos nossos amigos? Como não ficar tocado diante daqueles milhares de jovens que, vestidos de branco, cantam pelas ruas a necessidade de amar como se não houvesse amanhã? Jovens que choravam o amanhã abortado de seus colegas.

O amigo Oscar Valporto me disse, na faculdade, que histórias precisam ser contadas: ele decidira ser jornalista porque queria contá-las. A tragédia da boate não deveria ter ocorrido, mas, como aconteceu, é preciso que seja contada, até para que não se repita e para que os culpados sejam punidos. No mais, contamos histórias porque somos humanos, precisamos compartilhar alegrias, dores, esperanças. Em Santa Maria, conversei com a mãe de um rapaz que estava internado. Depois, agradeci e pedi desculpas pelo incômodo. Para minha surpresa, ela então me agradeceu. Disse que estava precisando conversar, falar do filho, contar sua história. ‘Viver para contar’ (‘Vivir para contarla’), como Gabriel García Márquez, também jornalista, tão bem resumiu no título de seu livro de memórias.

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