Woody Allen e o filme que nunca termina
Por Fernando Molica em 06 de setembro de 2016 | Comentários (1)
Sempre encarei os filmes do Woody Allen como partes de um grande e longuíssimo filme, quase que como movimentos de uma sinfonia. Trechos independentes que guardam relação com os demais; que, aqui e ali, repetem uma linha melódica, uma frase, uma sequência de notas.
Tenho até dificuldade de, em muitos casos, identificar o filme que narra esta ou aquela história, de apontar personagens e fatos de uma sucessão de cenas e histórias que parecem tratar quase sempre de um mesmo sujeito, aquele desajeitado, feioso, intelectual nova-iorquino em seu eterno conflito com o mundo, com seus amores e com a tradição cultural-religiosa de sua família.
Um cara que, por não saber de onde veio e para onde vai, quebra nosso galho e
nos fornece uma espécie de trilha, uma quase bengala existencial – viemos de seu último filme, vamos em direção ao próximo. Allen se oferece quase como um bode expiatório, melhor rir de suas dúvidas e angústias do que das nossas. Mas sabemos que rimos de nós mesmos.
Muita gente boa tem desgostado de ‘Café society’, o recém-lançado filme do Allen. Quando a sessão terminou, quase entrei no coro dos descontentes. Mas, depois, caminhando pra casa, fiquei triste ao me dar conta que este pode ter sido o último filme do diretor a quem devoto a maior de minhas fidelidades cinematográficas, fã de carteirinha que vê nos seus filmes algo mais significativo da passagem de um ano que os fogos de Copacabana. Que este longa-metragem seja apenas o fim de um ciclo.
O filme é quase uma colagem dos outros filmes do cara. Está lá o jovem sensível e apaixonado que faz o papel (o mesmo papel) outrora interpretado por Woody Allen, mais uma vez o diretor escalou um ator para interpretar o personagem que se confunde com ele mesmo. Está lá a mocinha bonita que fica deslumbrante quando a vemos pelos olhos do protagonista, e não há como deixar de fazê-lo. Estão lá os conflitos e os estereótipos de uma família judia de classe média baixa e a violência caricatural dos mafiosos.
Tem Central Park, tem até a ponte do Brooklyn, agora em cores, mas aquela mesma ponte em que o Allen-ator, em nosso nome, namora a linda adolescente Mariel Hemingway, aquela que lhe daria um toco de sensatez e de maturidade. A referência ao outro filme é explicitada também pela música que embala as imagens da ponte: ‘Manhattan’, título do longa que nos fez torturar cotovelos em mesas infestadas de pregos.
Coletânea improvável das obras de Allen, ‘Café society’, aos poucos, parece demonstrar que não tem uma história, mas várias tentativas inconclusas de um enredo, apresenta várias e tantas possibilidades para, no fim das contas, chegar a um impasse.
Muitos apontam nesta aparente falta de rumo a principal fragilidade do filme. Discordo. Prefiro achar que, neste fim de ciclo, Woody Allen tenha resolvido voltar à origem de tudo, de todos, ao início e ao fim de todas as histórias. Retornou àquela velha e sempre boa história, que trata das situações, acertos e erros que unem e desunem um homem e uma mulher, o eterno e irresolvível conflito entre o que foi e o que poderia ter sido.
No fim, do filme e das contas, nenhuma história termina, chega a um desfecho absoluto e definitivo. A obra e a vida não se fecham, permanecem abertas, os créditos finais servem também para ressaltar o início de um novo enredo.
Você viu o mesmo Café Society que eu: Uma bela síntese da Obra de Woody Allen. Sempre digo: se eu não gostar de um Woody Allen é porque não entendi.
Lucia Medeiros