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Bandeira negra, amor

Bandeira negra, amor


  • Objetiva
  • 2005
  • Capa tipo Brochura
  • 8573027312
  • 220 Páginas

Fred foi um garoto que cresceu vendo sua mãe fazer de tudo para ele parecer branco. Nada de andar com gente mais escura do que ele, com gente mais pobre. Nada de assumir o cabelo carapinha, nada de dizer: sou negro. No máximo, moreninho claro. Mas a vida é pródiga em artimanhas. O menino Fred transformou-se no Dr. Frederico Cavalcanti de Souza, advogado e militante do movimento negro, que mantém um caso secreto com Beatriz, major da PM e branca. De dia, Fred desafia a instituição militar, à noite, cai nos braços de uma das mulheres mais poderosas da corporação.

Bandeira negra, amor é um romance eletrizante. Partindo de uma trama policial, Molica explora meandros de nossos preconceitos, de nossas vilanias. Com Fred redescobrimos Friedenreich , lendário jogador da seleção brasileira que alisava os cabelos para parecer branco. Também conhecemos Scheyla, traveca velha da Lapa, e por intermédio de um coronel aposentado, submergimos na teia suja do poder.

Neste mergulho pelo submundo carioca, Molica tece vários matizes do preconceito, nos revelando os paradoxos de se assumir a cor negra num país como o Brasil.

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FOLHA DE S.PAULO, 26/11/2005 Ficção em ritmo de “triller”discute o preconceito racial

“Bandeira negra, amor”, mostra relação tensa e afetiva entre advogado negro e policial branca no Rio de Janeiro

Lelé, Serrote e Bronha, três adolescentes sem ficha criminal do morro do Borel, no Rio, são seqüestrados e executados com requintes de crueldade, como costuma dizer a crônica policial.

Quase banal de tão cotidiano, o evento serve de ponto de partida para o livro “Bandeira Negra, Amor”, segunda incursão do jornalista carioca Fernando Molica no território da ficção.

Os crimes, porém, aos poucos se deslocam para a condição de fio condutor da narrativa, dando lugar ao tema que realmente interessa ao autor: o preconceito racial no Brasil.

Praticante do “jornalismo investigativo”, gênero quase em desuso na imprensa, Molica deixa sua prosa se contaminar pela linguagem e, sobretudo, pelo ritmo de uma apuração jornalística.

O resultado é um texto ágil e tenso, que flui num andamento de “thriller” para contar a história de Fred, um advogado negro, militante da causa, que vive um atormentado romance com a branca Beatriz.

E a cor da pele nem é o maior obstáculo que o casal tem de enfrentar: o que na verdade os obriga a ocultar a paixão na clandestinidade de amantes é o fato de Beatriz pertencer ao quadro de oficiais da Polícia Militar, que tem em Fred um feroz opositor dos abusos cometidos no dia-a-dia pela corporação.

Com esses ingredientes, “Bandeira Negra, Amor” se constitui num exame das relações raciais no Rio contemporâneo, relações mediadas por um componente que ameaça igualmente brancos e negros e que só tem cor quando se tinge de sangue: a violência. Fred conheceu o preconceito na infância, em sua própria casa, com os esforços da mãe para fazê-lo passar-se por branco. Mas ele nunca se sentiu um branco. Ao contrário: quando cresce, Fred procura afirmar-se como um negro e, em paralelo ao seu trabalho como advogado, engaja-se em uma entidade de defesa de direitos civis.

É essa militância que vai envolvê-lo na investigação que busca os assassinos dos três adolescentes, e o conflito se estabelece quando a suspeita da execução recai sobre a PM, colocando Fred e Beatriz num confronto ético.

Com habilidade de jornalista experiente, Molica evita qualquer maniqueísmo no tratamento das questões e contradições que coloca diante dos amantes – e dos leitores.

É como se lançasse um olhar de repórter para a realidade que criou. E os fatos dessa ficção colada ao real acabam soando assustadoramente familiares.

Atento ao cenário que cerca sua trama, Molica faz de “Bandeira Negra, Amor” um passeio pelas cores, odores e sons do Rio e, em igual medida, um mergulho no submundo carioca, com seus personagens típicos.

Há espaço até para Arthur Friedenreich, craque de futebol do passado que sofria com suas origens mestiças, cuja aparição serve de contraponto simbólico a Fred na sua busca por afirmação como negro.

O domínio narrativo de Fernando Molica permite que as duas linhas narrativas do livro – a paixão de Fred e Bia e a busca pelos assassinos – se entrelacem, sem perda da tensão característica de um “thriller”.

O desfecho de sua história se subordina ao mundo real, deixando um travo de impotência tanto para os personagens quanto para os leitores. Há coerência nisso, já que num texto de corte realista qualquer outra escolha poderia soar artificial. E esse é um dos campos de força do relato. Curioso o embate entre ficção e realidade. Quando escreveu o livro-reportagem “O homem que morreu três vezes”, Molica manejou um enredo que roçava a inverossimilhança.

Afinal, reconstituía a trajetória do advogado gaúcho Antonio Expedito Carvalho Perera, um personagem aventuresco, que de militante da luta armada no período da ditadura militar converteu-se, depois de exilado, em pelo menos dois outros personagens, e chegou a ser conhecido como o “Chacal brasileiro”. Coisa de cinema. Agora, com “Bandeira Negra”, o autor pode experimentar a sensação inversa, por ter criado um relato ficcional que o tempo inteiro soa como real, incomodamente real. A ponto de tomar irônica a nota final do livro, que informa tratar-se de uma obra de ficção. Coisas da literatura

MARÇAL AQUINO

Marçal Aquino é escritor e roteirista de cinema. Seu livro mais recente é “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (Companhia das Letras).


JORNAL DO BRASIL E RASCUNHO, 02/12/2005 Mosaico da questão racial

Militância no movimento negro é tema de romance sem obviedades

Li a primeira página de Bandeira negra, amor, de Fernando Molica (Objetiva), torcendo o nariz. Meus preconceitos todos entraram em ebulição. Então se tratava de mais um livro sobre favela, marginais, bandidos vítimas e policiais algozes? Insisti. E fui recompensado por uma prosa que nada tem a ver com a literatura contemporânea brasileira e seu umbiguismo extremo.

O livro conta a história de Fred, um advogado respeitado que, nas horas vagas, é militante do movimento negro. Ele investiga a execução de três jovens numa favela do Rio. Tudo indica que a polícia tenha executado os jovens. O problema é que Fred está envolvido com Beatriz, justamente a porta-voz da Polícia Militar, responsável por explicar os casos que envolvem a corporação.

Seria apenas mais um enfadonho livro sobre bandidos bonzinhos e policiais mauzinhos, negros vítimas e brancos algozes, não fosse a intolerância que o autor demonstra com as obviedades. Fermando Molica não se rende ao maniqueísmo fácil. O resultado é uma prosa envolvente, com personagens bem construídos e dramas que vão além da caçada aos culpados.

O grande trunfo do livro é o personagem Frederico Cavalcanti de Souza, a melhor expressão das contradições da vida do negro mais ou menos politizado no Brasil. Na infância, Fred foi ensinado pelos pais a negar sua raça. A “despeito de sua cor”, “venceu na vida” e se tornou um advogado de sucesso. Hoje, dando de ombros para os ensinamentos familiares e ignorando o sucesso numa carreira teoricamente conservadora e, por extensão, racista, Fred dá expediente numa ONG de defesa dos negros.

Molica monta, assim, um mosaico complexo da questão racial brasileira que não aceita simplificações grosseiras. Fred é o negro que namora uma mulher branca; é o advogado que é parado numa blitz por causa de sua cor, aparentemente incompatível com o carro que dirige; por fim, é o militante de uma causa que, na infância, aprendeu a ignorar à força do ferro quente que lhe alisava o cabelo.

No meio deste conflito individual, a prosa de Molica se rende à violência urbana como temática paralela. E, neste ponto, o trunfo é Beatriz, porta-voz da Polícia Militar, ao que tudo indica honesta e idealista, mas não ingênua. Beatriz é linda em sua farda. É mulher que não se rende à masculinidade inerente ao caso. É sutilmente ambígua. Bandeira negra, amor não teme se entregar à linguagem contemporânea e enfrenta este desafio com competência, ainda que eu considere tal expediente perigoso, porque tende a envelhecer o romance. De qualquer modo, a inclusão de pequenos trechos de conversas de internet no romance é um achado, se não pela originalidade, pela contextualização do artifício. Enquanto outros autores tentam criar obras cuja essência é a linguagem supostamente revolucionária, Molica preferiu inseri-la numa narrativa mais conservadora. Fez muito mais sentido.

Se o desfecho oferece surpresas que não pretendo revelar aqui, por outro lado não , posso deixar de mencionar a resignação com que Beatriz e Fred encaram seus destinos. Em meio a tantos personagens cheios de uma coragem malfadada, destinados a se tornarem santos ou mártires, sem espaço algum para a sutileza, estes dois se revelam mais humanos e, por isso mesmo, admiráveis. A humanidade de seus personagens é a maior qualidade de Bandeira negra, amor.

PAULO POLZONOFF JR.


O GLOBO, 24/12/2005 Rio de Janeiro, de caos e de paixão

Fernando Molica traça retrato crítico e afetivo de uma cidade tentacular

A atividade jornalística continua sendo uma grande escola de escritores. Como romancista, o repórter Fernando Molica deve muito à sua profissão. Não há dúvida de que “Bandeira negra, amor”, seu segundo livro de ficção (a exemplo do primeiro, “Notícias do Mirandão”) apóia-se em sua vasta experiência na imprensa. Anos de jornalismo investigativo lhe ajudaram a montar este thriller repleto de personagens curiosos, tirados do submundo carioca.

O protagonista do livro é Fred, um brasileiro que cresceu vendo sua mãe fazer de tudo para ele parecer branco. Mesmo vivendo numa pretensa “democracia racial”, Fred foi obrigado a rejeitar sua cor; a mãe insistia que ele era “amorenado” ou, no máximo, “um pouco queimadinho”. Para garantir o branqueamento do filho, alisava seus cabelos com uma touca feita de meia de mulher.

Problema racial é o verdadeiro conflito
Tornar-se branco (ou, ao menos, parecer-se) representava o melhor caminho para a ascensão social: “A brancura de Fred não vinha de berço, teria que ser conquistada, ele tinha que fazer por onde, provar que estava errada sua certidão de nascimento que, no item cor, sacramentava: parda. Pardo, filho de pardos: ‘O moço do cartório errou, meu filho. Ele deveria ter escrito cor amorenada. Pardo é cor de envelope, não é cor de gente.
Pardo, vê se pode?'” Mas os anos passam e o menino Fred se transforma no advogado Frederico Cavalcanti de Souza, um militante do movimento negro. As contradições, porém, não se afastaram de sua vida; o advogado que desafia a instituição militar
mantém um caso secreto com Beatriz Ferreira, major da PM e branca. Para complicar ainda mais o improvável romance, o autor lança entre os dois uma trama sobre o desaparecimento de três jovens humildes no Morro do Borel. Segundo testemunhas, os rapazes teriam sido levados por um carro da PM…

Fernando Molica parece menos interessado no simples enredo policial do que por todas as questões políticas que seu tema lhe proporciona. Ele segue a linha dos escritores policiais contemporâneos, cujas narrativas de crime são sempre exploradas por um viés social. O problema racial é o verdadeiro conflito do romance, tendo a história de amor entre o ativista negro Fred e a PM branca Beatriz como seu ápice dramático. Na sua radiografia da sociedade brasileira, o autor também critica abertamente a polícia e dá algumas discretas alfinetadas na imprensa (fato raro e corajoso partindo de um jornalista).

Graças à sua experiência profissional, Molica tem acesso a diversas camadas sociais, convive com grupos que possuem códigos particulares, como policiais e traficantes. Natural, portanto, que ele aproveite a experiência para garantir verossimilhança ao texto. De fato, é impossível acusá-lo de escrever sobre o que não conhece; o escritor tem total domínio sobre o espaço no qual transitam seus personagens, conhece o universo descrito como a palma da mão. Ele também acertou ao cantar sua aldeia: o Rio de Janeiro. Não o Rio da praia e da água de coco, não a Cidade Maravilhosa, mas um Rio subterrâneo, caótico, injusto aquele que sempre acaba omitido pelos cartões-postais.

Personagens errantes, presos à desordem urbana
A prosa de Molica traduz o mal-estar da metrópole moderna. Ela reconstrói com linhas nervosas o mesmo ritmo acelerado em que vivem muitos de seus habitantes. Os monólogos interiores transmitem um certo cansaço, um estresse, às vezes até o desespero (como acontece na abertura do livro) desses personagens errantes, que correm em círculos, presos aos obstáculos da desordem urbana.

Com sua estrutura correta, sua trama simples e bem resolvidaa, “Bandeira Negra (…)” hão é apenas um bom romance policial. É a geografia de um Rio de Janeiro tenso, vibrante, prestes a explodir. O retrato ao mesmo tempo crítico e afetivo de uma cidade tentacular, que abriga os gritos, os sonhos e as frustrações de milhares de marginalizados.

BOLIVAR TORRES CORREA


CORREIO BRAZILIENSE, 19/12/2005 Entre o amor e o preconceito

Poucas vezes a questão racial no Brasil tem sido tratada com tanla propriedade como no romance Bandeira negra, amor, de Fernando Molica (Objeliva). O escritor, jornalista profissional com carreira em redações de grandes jornais e livros de ficção e de reportagem,. mostra  boa veia de repórler ao retratar um personagem negro que vive uma história de amor com uma branca e conflitos políticos, éticos e humanos.

Fred, o protagonista, é um advogado que custou a descobrir que era negro. A mãe sempre lhe ensinou a usar touca no cabelo, hábito que ele trocou pelo corte curto. Aos poucos, no entanto, a realidade foi se abrindo diame de seus olhos e de seus brios. O preconceito se evidencia a cada batida policial. A condescendência de colegas e chefes, as delicadas relações amorosas. Bem-sucedido num escritório de advocacia, Fred se toma militante de uma ONG que ajuda pretos e pobres do Rio de Janeiro a enfrentar, entre outros problemas. a violência policial.

A namorada que Fred conhece num curso, por quem se apaixona e com quem vive um lindo romance, é Beatriz, também conhecida como Ferreira, major da PM carioca. Em clima de Romeu e Julieta. os dois se envolvem, em lados opostos, na investigação da morte de três adolescentes do morro do Borel, em que os maiores suspeitos são policiais militares.

À medida em que os fatos se sucedem e as apurações avançam, mais a ligação entre Fred e Beatriz se torna complicada. As tentativas de manter o caso em segredo se mostram vãs diante dos interesses dos inimigos que ambos cultivam, afinal, além do amor, une-os a ética e a luta pela verdade.

Credibilidade –  Enquanto narra uma história policial e de amor cheia de credibi!idade – pelo conhecimento que  detém sobre as realidades envolvidas -, o escritor Fernando Molica mergulha também na alma de seus personagens, em particular o casal. Fred, cujo conflito racial o impede de esquecer, por um minuto sequer, que vive numa sociedade hipócrita, que se pensa branca. burguesa.

Beatriz, branca, pobre, policial, mulher, ambiciosa, também esbarra em preconceitos de vários tipos. A força mítica da corporação, a luta peja sobrevivência e os traumas familiares podem até vencer momentaneamente seu projeto romântico. Os ideais e sentimentos que os protagonistas compartilham, no entanto, não podem ser derrotados.

Jornalista premiado –  Com 20 anos de carreira jornalística. Fernando Molica trabalhou nas sucursais cariocas da Folha de S.PauloO Estado de S.Paulo e foi chefe de reportagem do jornal O Globo. Desde 1996, ele é repórter especial da TV Globo e, em 204, recebeu o prêmio Vladimir Herzog de reportagem televisiva. É autor dos livros Notícias do Mirandão e O Homem que morreu três vezes, obra que recebeu menção honrosa do prêmio Vladimir Herzog e foi finalista do prêmio Jabuti. Ambos os livros foram lançados pela editora Record.

Além disso, Molica é diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e recentemente lançou o livro Dez reportagens que abalaram a ditadura, que participa como organizador. O livro é uma compilação de textos jornalísticos produzidos nos anos de chumbo por profissionais como Marcos Sá Corrêa, Ricardo Kotscho e Márcio Moreira Alves.

CLARA ARREGUY


ÉPOCA, 05/12/2005 Entre a ficção e o mundo real

O jornalista Fernando Molica lança seu segundo romance e usa a experiência de repórter para contar suas histórias

O jornalista Fernando Molica circulou durante anos pelo submundo da cidade do Rio de Janeiro. Por conta do trabalho, subiu e desceu morros controlados pelo tráfico de drogas e conviveu de perto com a rotina da polícia, braço do Estado mais presente nas favelas cariocas. Dali, extraiu conhecimento para desenvolver seu talento para as letras. Em vez de livros-reportagens, como seria natural, optou pela ficção na hora de extravasar seu know-how. Depois de explorar o universo da favela em seu primeiro romance – Notícias do Mirandão (Record, 2002) -, Molica escolhe o “asfalto” como pano de fundo para Bandeira Negra, Amor.

A mudança de ares tem seus limites. “O máximo aonde meus personagens chegam na zona sul é o bairro de Botafogo e, mesmo assim, bem longe dos cenários luxuosos”, brinca o autor, que, como seu personagem principal, Frederico, é nascido e criado em Piedade, bairro do subúrbio. “É um universo que tenho mais intimidade para retratar”, explica.

Diferentemente do primeiro romance, passado na favela fictícia chamada Mirandão, o atual foca mais os personagens e suas contradições. Frederico é um advogado que, apesar de negro, foi criado pela família para nunca ter orgulho da cor de sua pele. Tornou-se militante do movimento negro e mantém um romance com uma major da Polícia Militar, instituição que é obrigado a combater devido às inúmeras denúncias de abuso de poder. O mote do livro é o desaparecimento de três jovens negros perto de uma favela da zona norte, seqüestrados por policiais militares. “Apesar de bem parecido com histórias reais recentes, é pura ficção”, garante Molica.

A vida de escritor de romance segue paralela aos 20 anos de carreira como jornalista, os últimos nove dedicados à televisão, como repórter especial da TV Globo. Além disso, é diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e recentemente lançou o livro 10 Reportagens Que Abalaram a Ditadura, de que participa como organizador. É uma compilação de textos jornalísticos produzidos nos Anos de Chumbo por profissionais como Marcos Sá Corrêa, Ricardo Kotscho e Marcio Moreira Alves. “Não nos propusemos a escolher os dez melhores textos, mas os que foram referências dos dez assuntos mais significativos da ocasião, como o atentado ao Riocentro e a morte de Vladimir Herzog”, conta. Por conta do jornalismo, Fernando Molica circula com desenvoltura entre realidade e ficção.

RAFAEL PEREIRA


RASCUNHO, 01/02/2006 Narrativa mais conservadora

Entrevista com Fernando Molica

Quando você começou a se interessar por escrever ficção?
Não saberia dizer ao certo. Claro que, na adolescência, eu pensava nisso. Mas nunca me dediquei de forma consistente a um projeto literário. Mais ou menos em 1995, 1996. fui fazer uma entrevista e achei que uma inconfidência do entrevistado – ele ficara sabendo que grupos de esquerda cogitavam retomar uma tentativa de luta revolucionária – poderia servir de ponto de partida para um livro. Pensei em fazer uma reportagem, mas o negócio era incipiente, não renderia. Optei então por tentar fazer ficção. Escrevi um capítulo. parei uns cinco anos, e retomei a história. Daí surgiu meu primeiro livro, Notícias do Mirandão (Record. 2002). Talvez o fato de ter começado a trabalhar em tevê tenha influenciado, é possível que eu tenha ficado com saudade da palavra escrita, de narrativas mais longas. Acho que também aceitei um desafio: será que vai dar?

Por que você escreve ficção?
Acho que os motivos são muitos, pouco claros. Acho que escrevo ficção para contar histórias que suponho serem boas, interessantes. Histórias de alguma forma relacionadas com o tempo, o país e a cidade em que vivo. Talvez o jornalismo tenha a ver com essa decisão: outro dia, em um chat. eu disse (escrevi) que a objetividade jornalística é fundamental e necessária, mas, em muitos casos, não é suficiente. Ao nos concentramos no que é objetivo, deixamos de fora uma série de elementos, sensações, observações, reflexões. Muitas vezes, a busca da objetividade nos impede de ver o que é muito evidente – Nelson Rodrigues talvez me desse razão. Mas há uma necessidade de contar histórias, de inventá-las, de tentar ver se vai dar certo. Outro dia, alguém disse que escreve para saber qual é o fim daquela história. Achei a explicação muito boa.

Em que medida o jornalismo influencia ou até mesmo polui – se é que polui – sua obra de ficção?
Espero que, no meu caso. não tenha poluído e que eu esteja conseguindo separar as duas lógicas. São linguagens diferentes, formas de expressão diversas, embora não necessariamente antagônicas. O jornalismo pode ter me proporcionado uma boa prática de contar histórias. Faço isso todos os dias há mais de 20 anos. Deve ajudar. Ao escrever o primeiro livro fiquei muito preocupado com uma certa lógica interna do texto – será que essa história, uma ficção, poderia acontecer? Será que é verossímil? Será que esse personagem tem vida, tem alma? Para checar, me respaldei muito na lógica do texto jornalístico, nas possíveis explicações para o comportamento deste ou daquele personagem,  para uma certa relação de causa e efeito. Acho que isso ajudou a terminar o livro. O problema – ou solução – é que, no ano seguinte. escrevi um livro jornalístico, O homem que morreu três vezes (Record. 2003). Ele conta a história de um personagem quase inacreditável, Antonio Expedito Carvalho Pereira, um advogado gaúcho de extrema direita que virou aliado de Carlos Lamarca e, depois, terrorista internacional, fornecedor de armas de Carlos, o Chacal. Neste caso, o jornalismo me ensinou que a lógica de um personagem pode ser muito mais rica, muito mais surpreendente.

Seu primeiro livro de ficção trata de uma revolução latente nas favelas cariocas. Este Bandeira negra, amor tem como pano de fundo o racismo. Os temas sociais tem sido uma constante na produção literária urbana brasileira. Como você vê isso? Você não acha que certo apego a temas sociais pode acabar engessando a imaginação?
Não acho que a tal revolução esteja assim tão latente nas favelas cariocas. Acho que existe uma revolta meio desfocada, inorgânica. Mas, enfim, essa é outra história. Sobre a temática social: todos escrevemos sobre nossas obsessões, nossos calos. Nunca pensei em escrever para denunciar a situação social brasileira, a iniqüidade, etc. Não tenho a intenção de fazer sociologia. Isso, porém, não me impede de abordar temas que são presentes na vida brasileira. Vivo no Brasil, afinal. Meus personagens também vivem. Deparam-se com a miséria, com a violência, com o racismo, com a corrupção policial. Acho que, de alguma forma, isso afeta todos nós. Claro que todo o autor corre o risco de se repetir, de se limitar, de se engessar. Mas isso pode ocorrer com um autor que privilegie uma abordagem social tanto quanto com um outro que prefira temas  mais intimistas. O risco da repetição, da falta de imaginação e do uso do discurso-chavão existe para qualquer autor, para qualquer tema. Depende sempre de como o assunto seja tratado. Claro que há sempre o risco de se cair no discurso fácil, na defesa de supostas boas causas, no bom-mocismo. Bandeira negra, amor, trata de pessoas, não de causas. O problema é que essas pessoas interagem com a sociedade em que vivem, participam de seus conflitos, não vivem isoladas.

A linguagem do livro é muito apegada ao nosso tempo. Há até mesmo a utilização de linguagem de internet. Você não teme que isso acabe envelhecendo o livro?
Escrevo para as pessoas do meu tempo, como acho que outros escritores escreveram para a época em que viveram. Não saberia escrever pensando em um suposto leitor do futuro. A linguagem da internet, utilizada em pouquíssimos trechos, é quase uma ilustração, não tem um papel relevante na condução da trama. Ela é usada de uma maneira até meio humorística.

Li por aí que seu romance é um livro sobre o racismo. Você aceita o rótulo ou o credita a uma necessidade de encontrar na ficção um viés didático?
Cada leitor tem o sagrado direito de achar o que bem entender sobre o livro. Alguns até poderão achar que o livro é sobre racismo. Bem, ele não foi escrito com essa intenção. Para mim, é um livro que conta uma história de amor entre um homem, negro, e uma mulher, oficial da PM. A questão racial permeia o livro, mas não é, por exemplo, importante nos problemas do casal. A questão do preconceito não é relevante entre eles, na relação. O que me interessa no livro são os pequenos dramas, a maneira pela qual os personagens reagem a pequenas ofensas e dificuldades do cotidiano. Ao longo do livro o personagem principal praticamente não sofre uma discriminação que possa gerar um boletim de ocorrência, uma acusação formal de racismo, não é vítima de um caso que possa render notícia de jornal. Ele se depara, sim, com as pequenas agressões, com um racismo velado, feito de pequenos gestos, alguns praticados por sua própria família. A dor que não sai no jornal, para citar um velho samba. Fred se depara, principalmente, com dramas que nada ou pouco têm a ver com a questão racial. Suas mal-resolvidas histórias de amor poderiam ter ocorrido com um louro, com um japonês, com um esquimó. Quanto a uma eventual necessidade de se encontrar um viés didático na ficção: claro que existem exemplos de livros de ficção que servem de palanque. Espero que não seja esse o caso do meu.

O racismo no Brasil é digno de preocupação ou estamos importando um problema de outras sociedades? A integração racial brasileira é uma falácia?
Temos, sim, que nos preocupar com o racismo na sociedade brasileira. Um racismo que se manifesta de forma diferente em relação ao que acontece nos Estados Unidos ou na França. Negros ainda são confundidos com serviçais, xingados de macacos; a cor da pele continua a ser um elemento importante para uma ofensa. Há diferentes níveis de integração racial no Brasil, mas não dá para negar as manifestações racistas.

Seu livro também trata do auto-ódio, isto é, de negros que negam a própria cor. Este me parece ser um ponto importante, ignorado até mesmo pelos movimentos sociais que se dedicam ao tema…
A mãe do personagem principal insiste para que o filho “embranqueça”, que use touca para alisar os cabelos, que evite classificar-se de pardo. Ela não faz isso por racismo, nem por ódio, mas por amor: achava que a vida do seu filho seria melhor, menos doída, quanto mais branco ele fosse. É contraditório, mas me parece humano, muito humano. Em um momento que considero bem dramático, a namorada do Fred, do protagonista, diz que também tem ascendência negra, e que sua avó, uma negra baiana, se orgulhava de ter “barriga limpa”, já que seus filhos eram bem mais brancos do que ela. Essa história de “barriga limpa” não é invenção minha, me foi contada por uma amiga, negra. Não é que a mãe do Fred se achasse inferior, menos inteligente que os brancos: ela apenas supunha que seria melhor ser branca. Esse conflito, esse ser ou não ser, é, talvez, a principal característica do personagem. Procurei construí-lo de forma não-linear, tentei fugir dos maniqueísmos. O que me interessava era o conflito.

Há no livro uma cena de sexo que chama a atenção pela elegância. Fale um pouco sobre a dificuldade de escrever cenas assim, numa época em que o sexo perdeu muito do seu mistério.
O que antes era tabu ficou banal, redundante. Dá medo de transformar a cena em um daqueles relatos de revistas eróticas – aquela história de membro ereto, sexo intumescido, desejo incontrolável, inundada de prazer. Optei por usar a primeira pessoa, uma situação em que a narradora faz uma espécie de desabafo silencioso, em que o sexo se transforma em um momento de vingança, de resgate de sua dignidade.

No final do livro, seus personagens parecem resignados. Não há mais lugar para bravatas ou quixotices hoje em dia? Nem mesmo na ficção?
Engraçado, eles têm mesmo um pouco de resignação, mas, de certa forma, acho o fim até um pouco otimista. Pelo menos, um pouco mais otimista que o do primeiro livro. Acho até que os personagens assumem alguns desafios importantes, fiquei meio orgulhoso deles. Descobri que, como autor, sou menos otimista do que como cidadão. Acho que, de uma certa forma, me dou o direito de criar expectativas em relação à minha vida, em relação ao país, ao mundo. Pelo menos, estou mentindo para mim mesmo. Já na ficção é mais complicado, acabo sendo mais cético. Pelo menos, tenho sido. Deve ser pudor de mentir para os outros…

Como seu livro dialoga com a produção brasileira contemporânea – se é que dialoga?
Espero que dialogue. É um livro que trata de personagens contemporâneos que têm vivências para serem divididas. Mas o principal é que ocorra uma conversa não com outros livros, mas com os leitores. É importante que os leitores, eles sim, dialoguem com os livros. Caso contrário não teremos apenas uma profusão de escritores conversando entre si.

O que você faz para sair desse círculo vicioso?
Acho que estamos diante de um certo impasse. As listas de livros premiados quase nunca coincidem com as de mais vendidos – isso, na ficção. Tenho a impressão de que a ficção brasileira hoje repercute menos do que há 20, 30 anos. Não sei se o problema é apenas falta de leitor. Não sei até que ponto os escritores – e me incluo aí – estão com dificuldades para dialogar com a sociedade brasileira, pelo menos, com uma parte significativa dela. Suponho que todos os escritores querem esse diálogo, em algum nível. Mas parece que os leitores não se reconhecem na maior parte da produção literária brasileira contemporânea. É engraçado, porque o panorama é diferente na área de não-ficção. Não sei se os leitores estão mais céticos, mais atraídos por uma abordagem da realidade mais palpável, menos afeitos ao sonho, à imaginação. O que fazer? Não sei. Acho que temos que continuar tentando.

PAULO POLZONOFF JR


JORNAL DO BRASIL, 04/03/2006 Crime e castigo

Amor interracial dá o tom no novo romance de Fenando Molica

O desaparecimento misterioso de três rapazes negros perto do morro do Borel parece, à primeira vista, sobretudo nos dias atuais, de grande onda de violência, fato corriqueiro. Mas no novo romance de Femando Molica, Bandeira negra, amor, o segundo do premiado escritor, é, acima de tudo, o pano de fundo para revelar, e até mesmo efervescer, a propósito, uma intrincada e envolvente história de amor, ou de louca paixão, que transcende a investigação do dito crime cujos principais suspeitos são, a rigor, sempre os mesmos policiais militares de toda história real que vivenciamos ou ouvimos falar.

A narrativa de Molica é dessas que se lê de um fôlego só, sem quaisquer dificuldades, pode-se dizer sem respirar, tal o seu texto direto e igualmente a leveza da sua linguagem, mesclada no apuro de técnicas profissionais que tanto marcaram, durante muitos anos, a sua vida de repórter. No campo ficcional, o livro traz consigo o carrilhão pesado da voz de um narrador intempestivo, amargurado com a vida e – porque não dizer? – indignado com a pressão social e postura moral de uma sociedade cuja hegemonia hipócrita está eivada dos preconceitos mais hediondos, sem contar os ridículos costumes e os falsos moralismos.

Homem negro, criado solenemente sob os cuidados de uma mãe super-protetora, além de preocupada com o seu futuro, que ela pretende que seja promissor, em todos os aspectos – a ponto de lhe impor o uso de touca de meia para alisar os cabelos crespos – Frederico ou simplesmente Fred cresce sob o estigma da cor, cheio de sortilégio, relacionando-o como um elemento imperativo à sua ascensão social. Molica chega a lembrar, de uma maneira particularmente caricatural, mas bem apropriada, o famoso jogador Arthur Friedenreich (1892-1969), destacando, todavia, que toda passagem relacionada à sua vida é mera ficção. O craque paulista era filho de alemão com uma negra, logo, era um autêntico mulato, o que, em verdade, não o impediu de se tornar um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro nem o ter granjeado posição e grande prestígio social.

Os personagens que enredam essa história, o já citado Fred, um excelente advogado negro, e a bela e branca Beatriz, uma bem-sucedida major da PM, ocupando a função estratégica de relações públicas da corporação, pelos contrapontos e contradições, pelos nuances e entrechos mais do que evidentes que nos faz duvidar do sucesso de sua relação, dadas as circunstâncias impostas, que funcionam como um divisor de águas que os separa, mas se assemelha à trágica história contada nos trópicos de um Romeu e Julieta tupiniquim, história de crime e castigo, cuja sorte de suas vidas está quase sempre presa por um tênue fio da lâmina de uma navalha, vivendo a alta sensação do perigo, feito equilibrista em corda bamba.

Uma vez que a história se desenrola em grande parte nos subúrbios, lugar próximo ao autor, e desemboca em um intrigado crime, onde a figura do policial bandido e corrupto perpassa página a página e é, ao mesmo tempo, a ponta de lança de todo o enredo, Molica nos leva num passeio pelas ruas de bairros cariocas, num turismo acidental que acaba tornando mais prazerosa a leitura, marca da por um coloquialismo de linguagem que aproxima sua ficção de uma reportagem policial, com ênfase nos fatos presentes no nosso dia-a-dia.

Romance escrito por um homem branco, mas calcado, no entanto, em assunto delicado como a questão do preconceito racial, Bandeira negra, amor é, do ponto de vista de um autor que jamais viveu a experiência cortada na própria carne, uma incursão interessante, de grande sensibilidade, vista de fora ou da confortável posição de leitor. Sem dúvida, ao demonstrar que tal temática, sobretudo no âmbito ficcional, também merece ser tratada com respeito e seriedade, Fernando Molica dá um salto de qualidade ao conjunto de sua obra, como romancista e escritor, o que o torna um autor merecedor dos elogios que o vêm perseguindo e torna cada vez mais necessária a leitura dos seus livros.

UELINTON FARIA ALVES


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Garotos

Lelé chorava baixinho. Fazia força para não gritar, para não transformar em choro aberto aquele quase-ganido que vinha como que da barriga e subia até a garganta, até o alto da garganta. Lá, queria sair, virar berro, dizer tá doendo porra tá doendo muito chega já tá bom vocês já esculacharam agora deixa a gente sair deixa a gente correr na moral a gente vai ficar quieto a gente não tem nada a ver a gente não vai sacanear ninguém tá doendo tá doendo. Lelé sabia que não ia adiantar nada, que chorar, que gritar, só ia fazer com que demorasse ainda mais. E era melhor que terminasse logo. Acabar logo aquela dor, acabar logo aquilo tudo. Pior é que ainda por cima sentia medo daquele escuro, daquele mato escuro, daqueles barulhos de bicho, deve ter cobra aqui eu tenho medo de escuro porra. Não gostava quando minha mãe saía e me deixava no escuro, eu mais meus irmãos, tudo pequeno, tudo no escuro, eu já devia ter me acostumado, tô com 18 anos porra, já devia não ter mais esse medo, mas tenho, fazer o quê? Este chão machuca, os filhos-da-puta pegaram meu tênis, pegaram minha roupa, minha bermuda, logo aquela bermuda, aquela toda preta, nem terminei de pagar, agora que se foda, agora que eles não vão mais receber a grana, bem-feito, me sacanearam, acharam que eu não tinha grana pra pagar,  quero ver receber o que falta. Tá quente, mas tô com frio, os caras me tomaram até a camisa, porra mermão a camisa é velha tá meio caída deixa eu ficar com ela minha tia é que me deu. Deve ser por isso que tô com frio. Frio nada, tô é com medo. Tá doendo, acho que meu pé tá quebrado, quero parar de andar, cadê o Serrote, cadê o Bronha, quem é que tá lá frente, quem é que tá atrás de mim? Esse choro alto deve ser do Serrote, coitado, ele grita que grita, diz que troca de lado, diz que tem coisa pra contar, diz que entrega, que faz o que mandar ele fazer. Mas os caras nem aí, só batem, só quebram. Pára de gritar Serrote tu então é que não tem saída eles sabem da tua parada sabem do que tu fazia do que tu armava com quem tu andava. Pára de gritar porra. Pena que não posso gritar, só posso pensar, se eu gritar eles me quebram mais, e eu não quero mais apanhar, só quero que isso termine, que acabe. Eu tenho medo de escuro porra tenho 18 anos mas tenho medo de escuro tenho medo de mato tenho medo de bicho tenho medo de cobra. Eu quero a minha tia eu quero um baseado eu quero feijão com carne seca eu quero os peitinhos da Thayssa quero lamber a Thayssa eu quero eu quero saber do Bronha cadê o Bronha coitado dele ele então. Agora que ele ia se dar bem, ganhar grana, se mandar desta merda. É ele que deve tá gritando lá na frente, que dá dinheiro, que tem jogo, que tem como armar uma parada. Perdeu, Bronha, o alemão quebrou teu joelho, perdeu, perdeu. Arrebentaram teu joelho, bródi. Mesmo se tu escapa, tu tá fudido, não dá mais pra tu correr, pra jogar bola. É claro que quebrou, aquele barulho é de que quebrou. Coronha de AR quebra, arrebenta, doeu em mim, não ia doer em tu, cara? Acabou amigo, a gente perdeu. Os caras vão terminar de quebrar a gente. Agora falta pouco, cara. Dói dói pra caralho dói. Vai acabar, deve ser aqui, aqui tem pouco mato, acho que já vim aqui. Acho que vim, a gente jogou bola aqui, lembra, Serrote, lembra, Bronha? Tua avó que trouxe o rango, Bronha. Só que não tava escuro, tava claro, tava bom, tinha comida, tinha cerveja, tinha até um fumo legal que a gente descolou lá na boca, a gente ficou doidão, falou um monte de merda, que ia fazer, que ia botar pra fuder, na moral. Ainda arrastei a Thayssa pro mato, comi ela todinha, maior love, bródi. Tu lembra? Chora não, Serrote, grita não, Bronha. Quem sabe a gente ainda não se vê, né? Quem sabe se pra onde a gente vai não tem muito fumo, muita mulher, muita sacanagem, muito peitinho, um campinho legal, muita bola pra gente jogar? Pro céu é que a gente não vai, né?, a gente já fez merda demais pra ir pro céu. Liga não, o inferno deve ser mais animado, lá vai ser bom, vai ser melhor, bródi. Com o inferno, a gente já tá acostumado.

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