Em Uma selfie com Lenin, acompanhamos a trajetória conflitante de um jornalista que vê seus ideais de juventude serem corroídos pelo galopante avanço de uma estrutura política baseada na corrupção. Diante da ruína de suas convicções, o personagem narra com humor, e certa dose de melancolia, sua trajetória profissional e os rumos que trilhou. O romance, escrito em formato de carta redigida durante um voo internacional, ambiciona realizar o balanço de toda uma vida. Ao escolher este formato, o autor lança mão da estrutura de uma correspondência íntima, próxima da confissão, que leva o leitor a aproximar-se das contradições do personagem. Afinal, o romance trata de um acerto de contas, da necessidade de narrar e dar sentido a decisões e escolhas dos caminhos previamente percorridos pelo narrador. O destinatário é o próprio leitor, que recebe em mãos uma narrativa que refaz o retrato do Brasil entre fins do século XX e início do XXI. Uma selfie com Lenin oferece, a começar pelo título, um exame das muitas transformações, e contradições, que marcam o mundo contemporâneo. A selfie, índice máximo do individualismo promovido pelas novas redes sociais, é aqui realizada pelo narrador desiludido, buscando registrar seu encontro com um monumento em homenagem a um dos símbolos da busca por uma sociedade mais igualitária, Lenin. É com este olhar irônico que Fernando Molica, autor do impactante romance Notícias do Mirandão, entre outros, constrói uma narrativa ficcional que descreve o vertiginoso declínio de determinados ideários políticos e a ausência de novas alternativas.
Paulo Roberto Tonani do Patrocínio
Jogo Sujo
CARLA BESSA
Jogo Sujo
CARLA BESSA
Nunca antes, que eu saiba, um romance carioquíssimo foi tão nacional, atual e revelador sobre o submundo da política, fluminense e brasileira, como “Uma selfie com Lenin” (Record) do nosso querido“primo” Fernando Molica. Num bordejo forçado pela Europa, o personagem narrador, em ritmo de samba da Lapa e com o charme dos blocos de Santa Tereza, narra tramoias ocorridas em escritórios de doleiros do Castelo. E ainda desfruta de belas assessoras de imprensa. Tão belas quanto perigosas.
Show de bola este romance do bisneto do saudoso pianista Júlio Reis. Da Piedade para o mundo. Num jato bem lavadinho.
NEI LOPES
O protagonista do novo romance de Fernando Molica, “Uma selfie com Lenin” (Record), é um jornalista recém-saído de um trabalho como assessor de políticos. Desiludido com os clientes, que descreve como “sujeitos que faziam da constante visita às algibeiras do país a razão de ser de suas carreiras políticas”, ele embarca numa viagem pela Europa. O livro é escrito como uma longa carta do narrador à ex-namorada, em que ele passa a limpo, além de seus amores e dilemas, os ideais políticos de uma geração.
— O que me interessou no romance não foi a política em si, esse é o assunto do meu dia a dia como jornalista. Quis mostrar o impacto da política na vida do personagem, entender como ele tenta deglutir aquele processo. E isso só é possível na ficção — diz Molica, que lança o livro nesta terça-feira, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo.
PERSONAGEM ESCREVE UMA CARTA DENTRO DO AVIÃO
Jornalista e autor de outros quatro livros de ficção, Molica situa a narrativa no período das manifestações que tomaram o país em 2013 e 2014. Enquanto escreve a carta, de dentro de um avião, o narrador reflete sobre as turbulências políticas no Brasil e sobre conflitos da história europeia. Por meio do olhar cético desse personagem, “Uma selfie com Lenin” oferece uma perspectiva irônica sobre a situação do país.
— Em um momento de radicalização como o atual, em que as pessoas só repetem chavões, a ficção pode oferecer outras perspectivas e mostrar que há várias formas de ver o mundo — diz Molica.
Guilherme Freitas
JAIME CIMENTI
Narrado na segunda pessoa, este romance é uma longa carta de um brasileiro que viaja pela Europa à ex-mulher. “Eu fugi de você e você deu um jeito de vir”: o sujeito não consegue curtir a viagem solo e tem de narrar sua crise de meia-idade -pelo menos é o que o leitor acredita no começo.
Divulgação |
O narrador é um jornalista, como o autor do romance, editor de “O Dia”. Estamos novamente no terreno da autoficção (talvez este “Guia” precisasse um dia abrir a seção “Ficção Biográfica”). Narram-se manifestações contra a Copa e negociatas entre governo e publicitários; doleiros e policiais federais são personagens.
Narra-se, sobretudo, a derrocada moral de um jornalista que virou assessor de imprensa no mundo político, enriqueceu, envolveu-se com duas mulheres ao mesmo tempo, traiu companheiros e largou na estrada os ideais marxistas da juventude e os ideais românticos de partilhar a vida com alguém.
Promíscuo, cínico e vazio, ele simboliza nossa época desiludida – em que uma viagem existencial é só motivo pra clicar um autorretrato vulgar que ninguém vai ver.
** – Muito bom
RONALDO BRESSANE
É raro a literatura refletir tão rapidamente sobre a conjuntura política e gerar imediatamente bons produtos, mas aconteceu. As manifestações de 2013 e 2014, os escândalos de corrupção e como a mídia lida com o poder são temas de dois romances recém-lançados.
Fernando Molica faz questão de explicar que Uma selfie com Lenin não trata diretamente da situação política do país, mas foi influenciado por ela. ;A vida dele se mistura com temas mais tradicionais, como a corrupção, e com outros mais recentes, como as manifestações de 2013 e 2014. Na época, assim como acontece agora, é difícil pensar que alguém deixe de ser influenciado por questões mais gerais. Quase todos somos, de um jeito ou de outro, influenciados pelos fatos tão amplos que explodem todos os dias. O personagem não escapou disso;, explica. Problemas profissionais, éticos e amorosos rondam o jornalista que parte em uma viagem e escreve uma carta à ex-namorada e ex-chefe. Foi servindo a políticos que o personagem conseguiu algum sucesso, assim como um certo fardo ético.
Molica tem 55 anos e acompanhou todos os momentos políticos mais importantes do país nas últimas décadas, mas não lembra de uma situação tão grave quanto agora, com tanta radicalização e intolerância. “Nem na Anistia, no Riocentro, nas Diretas Já, no segundo turno entre Collor e Lula”, garante. “O resultado apertado da eleição de 2014, a roubalheira revelada pela Lava Jato, os excessos cometidos pelo juiz Sérgio Moro e oportunismo de políticos e de outros setores da sociedade parecem ter liberado uma raiva que estava represada. É assustador que o país tenha se transformado em um palco de guerra de torcidas, voltamos à lógica do Ame-o ou Deixe-o da ditadura. Democracia pressupõe convivência dos contrários, aceitação das diferenças”.
Para André de Leones, os acontecimentos recentes e da última década alimentam desencanto, medo e impotência. Ele acredita que a resposta da literatura a essa situação nem seja tão rápida assim. ;Pelo contrário. Convivemos há mais de uma década não só com escândalos como o do mensalão, mas também com uma crescente radicalização das posições políticas e ideológicas Creio que os autores tiveram bastante tempo para perceber esses fenômenos e refletir sobre eles, cada qual a seu modo;, diz.
Em Abaixo do paraíso, quinto romance do autor, o protagonista é uma espécie de faz tudo para políticos do interior de Goiás. E faz tudo aqui envolve, principalmente, atividades ilícitas. Cristiano é um perdido, foragido, mas que sabe de muita coisa. O personagem encontra, segundo o autor, muitas correspondências no mundo real. ;Vejo esse tipo de tarefeiro voejando ao redor dos políticos desde que me entendo por gente. Eles são um sintoma de como a política brasileira opera mais nas sombras e no submundo do que às claras, de como ela é viciada e violenta;, explica Leones.
Que horas ela vai? ; O diário da agonia de Dilma, de Guilherme Fiúza, e Impasses da democracia no Brasil, de Leonardo Avritzer, e propõem pílulas de humor e reflexão sobre a situação política brasileira. No primeiro, Fiúza pontua momentos do governo de Dilma Rousseff com comentários ácidos e engraçados. O segundo questiona a maneira de fazer política hoje sem se filiar a ideias de direita ou esquerda.
Nahima Maciel
Uma selfie com Lenin
De Fernando Molica. Record, 112 páginas. R4 29,90
Abaixo do paraíso
De André de Leones. Rocco, 256 páginas. R$ 29,50
Que horas ela vai? ; O diário da agonia de Dilma
De Guilherme Fiúza.Record, 96 páginas. R$ 24,90
Impasses da democracia no Brasil
De Leonardo Avitzer. Civilização Brasileira, 154 páginas. R$ 29,90
Em seu novo livro, “Uma Selfie com Lenin”, Fernando Molica fala de amor e política. Afinal, seu personagem principal é um jornalista de meia idade que está fugindo do Rio de Janeiro após uma confusão na assessoria de políticos para a qual trabalhava. Por isso a história se passa através de uma carta que ele está escrevendo para Eloísa, sua ex-namorada e ex-chefe. Ao tentar relatar todo o mal entendido que o fez embarcar num avião para bem longe do Brasil, o personagem faz uma reflexão de toda sua trajetória de vida. Desde quando era um jornalista mal pago e cheio de ideologias até o momento da história, rico e completamente destruído.
“Foi graças a você quem vim parar aqui, que posso estar aqui. Se não fosse você, eu estaria aí, fazendo minhas matérias, enchendo seus clientes de porrada, ajudando você a manter o faturamento de sua empresa.”
Eu entendo que o livro é um romance, uma ficção, mas ao relatar as manifestações de 2013 e 2014 a história tange o real. Dessa forma, quando li a descrição do personagem sobre roubo de dinheiro em hospitais fiquei enjoada. É desumano e infelizmente não posso afirmar, nem para mim mesma, que é só um livro.
“Os prédios imensos, cheirando a clorofórmio e mijo, não passavam de grandes lavanderias, de centros de distribuição de verbas, deveriam ser administrados pelo banco central, não pela secretaria de saúde. Por lá, pouco se cura, muito se rouba, nada se perde. Perdem-se vidas, mas isso não contava na nossa matemática.”
Esse autor me deixou como um ressaca literária moral/filosófica horrível. Penso no egoísmo exacerbado da atualidade, no amor unilateral focado apenas no prazer, na política e no Brasil que vivo atualmente. Sei que muitos vão achar cansativo o assunto, mas creio que essa obra deveria entrar para o currículo escolar básico de literatura. Assim talvez meu filho no futuro consiga me explicar tudo o que está acontecendo hoje.
MARIANA BAPTISTA
Narrado na segunda pessoa, este romance é uma longa carta de um brasileiro que viaja pela Europa à ex-mulher. “Eu fugi de você e você deu um jeito de vir”: o sujeito não consegue curtir a viagem solo e tem de narrar sua crise de meia-idade -pelo menos é o que o leitor acredita no começo.
AUTOR Fernando Molica
EDITORA Record
QUANTO R$ 30 (112 págs.)
AVALIAÇÃO ** (MUITO BOM)
RONALDO BRESSANE
Bom ver que nem tudo está parado ou que o país não parou de vez. Conquanto estejam pondo o pé no freio, por motivos óbvios, há editoras que ainda arriscam suas fichas, pelo menos em relação às pratas da casa, como é o caso da Record, que acaba de mandar às livrarias os livros assinalados abaixo, pela ordem de chegada à minha cabeceira:
1. “Uma selfie com Lenin”, de Fernando Molica – curto romance, em número de páginas, mas longo em significados, e no qual as atualidades políticas, existenciais e “lavajatorias” nele se colam, com malícia, ambição, sedução, grana, num texto cheio de ginga, bem carioca.
2. “Os contos completos”, de Alberto Mussa, premiadíssimo romancista que surpreende pela encantadora fabulação e fina carpintaria destas pequenas histórias.
3. “Luxúria” – romance de Fernando Bonassi, também conhecido como roteirista de cinema e dramaturgo, e que narra, “com ironia e realismo, um momento em que a soberba se espalhou pelo país, convencendo até o lascivo homem comum”.
4, Por fim, mas não por último, “Welcome to Copacabana”, reunião de 20 histórias de outro romancista consumado, muito lido, premiado e traduzido mundo afora, que se assina Edney Silvestre, um autor sempre bom de ler. Sim, distintas e distintos navegantes: se confiam minimamente no gosto literário deste que vos escreve, corram à livraria mais à mão.
Parabéns, caríssimo editor Carlos Andreazza, pelas suas vigorosas apostas.
ANTÔNIO TORRES
Comecei a prestar atenção em Uma selfie com Lenin depois de ver a capa compartilhada pelo autor no Facebook. Eu me lembrava vagamente da estátua do velho líder comunista, embora não conseguisse identificar na memória onde a tinha visto. Deve ter sido na viagem que fiz ao Leste Europeu em 2002. Em um velho álbum de fotos (não era ainda a época das imagens perfeitas do iPhone), localizei o lugar: um parque em Budapeste onde a administração da cidade, depois da queda do regime comunista, teve a feliz ideia de recolher as maciças estátuas que outros países, como a Romênia ou a Polônia, fizeram a besteira de destruir.
Um pouco depois, quando Fernando Molica compartilhou também um trecho do livro, pude confirmar minha suspeita: “Mas os caras foram mais criativos. Reuniram aqueles monstrengos, os despacharam para a periferia da cidade e criaram o Memento Park, um Jurassic Park do socialismo, o nome remete, veja só, a preces que tratam dos vivos e dos mortos. Entre os mortos-vivos de lá estão Marx, Lenin, Engels e, personagem principal, o povo.” Fico fascinado quando leio algo que me faz lembrar os lugares que me marcaram.
Uma selfie com Lenin é um livro fascinante. No enredo, personagens que tomaram conta do nosso dia a dia, como o doleiro, o lobbysta, um inequívoco Lindbergh Farias (sem o nome, por certo), malas de dinheiro e as manifestações de 2013. Há algo que me fascina ainda mais do que ler sobre os lugares que me marcaram: o mundo contemporâneo. Por isso, li o romance de Molica em uma tarde. Trata-se de um longo monólogo, em que em alguns momentos o narrador finge estar escrevendo uma carta. O artifício de ocultar um gênero no outro não é gratuito, já que no livro todo mundo parece estar fingindo alguma coisa.
Todos os relacionamentos descritos na novela têm um interesse disfarçado. O narrador mal esconde o ressentimento por trás do cinismo. É difícil aqui não adiantar alguma coisa do enredo, mas vale a máxima de que quem engana um dia será enganado. O narrador, por exemplo, tenta enganar o leitor já no início ao afirmar que viaja por causa de uma desilusão amorosa. O próprio leitor não vai se deixar enganar quando aparece a famosa estagiária sedutora. Claro que ele vai cruzar com a garota nos braços de outra pessoa, mas depois o leitor também é enganado pelo narrador: não é bem ela que o aguarda em uma determinada portaria carioca.
Enganar significa evidentemente fazer movimentos de um lado para o outro. O narrador, portanto, tinha que estar mesmo viajando. Uma selfie com Lenin é um desses livros que parecem estar com todos os procedimentos no lugar. Mas mesmo isso serve para incomodar o leitor, pois a narrativa mostra um extremo deslocamento de padrões éticos. De início, achei que esse descompasso pudesse ser um possível defeito literário. Como usar tão bem as ferramentas formais para criar uma narrativa em que nada está no lugar que deveria estar?
Devo dizer que li o romance de Fernando Molica na semana que antecedeu a votação do pedido de impeachment na câmara dos deputados. Inclusive, reli todos os trechos que tinha grifado no mesmo dia em que Michel Temer fez vazar o seu tenebroso áudio via whatsapp. Foi então que notei a coerência do romance: a falta de qualquer sentido ético em qualquer um dos planos de vida das personagens é de fato perfeita aqui, já que torna forma literária a grande tragédia brasileira – e latino-americana. Por isso, Uma selfie com Lenin é de fato um ótimo livro.
RICARDO LÍSIAS
JAIME CIMENTI
Jornalista e escritor Fernando Molica lança hoje ‘Uma selfie com Lenin’, com olhar irônico sobre o país
O protagonista do novo romance de Fernando Molica, “Uma selfie com Lenin” (Record), é um jornalista recém-saído de um trabalho como assessor de políticos. Desiludido com os clientes, que descreve como “sujeitos que faziam da constante visita às algibeiras do país a razão de ser de suas carreiras políticas”, ele embarca numa viagem pela Europa. O livro é escrito como uma longa carta do narrador à ex-namorada, em que ele passa a limpo, além de seus amores e dilemas, os ideais políticos de uma geração.
— O que me interessou no romance não foi a política em si, esse é o assunto do meu dia a dia como jornalista. Quis mostrar o impacto da política na vida do personagem, entender como ele tenta deglutir aquele processo. E isso só é possível na ficção — diz Molica, que lança o livro nesta terça-feira, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo.
PERSONAGEM ESCREVE UMA CARTA DENTRO DO AVIÃO
Jornalista e autor de outros quatro livros de ficção, Molica situa a narrativa no período das manifestações que tomaram o país em 2013 e 2014. Enquanto escreve a carta, de dentro de um avião, o narrador reflete sobre as turbulências políticas no Brasil e sobre conflitos da história europeia. Por meio do olhar cético desse personagem, “Uma selfie com Lenin” oferece uma perspectiva irônica sobre a situação do país.
— Em um momento de radicalização como o atual, em que as pessoas só repetem chavões, a ficção pode oferecer outras perspectivas e mostrar que há várias formas de ver o mundo — diz Molica.
.
GULHERME FREITAS
GUILHERME GUAGLIARDI
Jornalista lança, amanhã, ‘Uma selfie com Lenin’. Ficção bem-humorada narra as aventuras de um repórter em uma viagem solitária pelo mundo e marcada por reflexões éticas, amorosas e com críticas à sociedade contemporânea.
Jornalista e escritor, autor de, entre outros títulos, ‘Notícias do Mirandão, e atualmente colunista do ‘Informe do DIA’, do jornal ‘O Dia’, Fernando Molica, 55 anos, constrói em ‘Uma selfie com Lenin’ uma narrativa ficcional. Esse é seu sexto livro do gênero. Redigido em forma de carta, na qual o destinatário é o leitor, a publicação aborda os conflitos de um jornalista que faz um balanço de toda uma vida e das transformações do mundo. O lançamento será amanhã (terça), às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo (rua Voluntários da Pátria, 97. Tel: 3195-0200).
Como foi escrever ‘Uma Selfie com Lenin’?
Comecei achando que ia fazer uma espécie de guia informal de viagem, falaria de cidades que havia visitado. Só que apareceu um personagem que meu puxou pelo pé. Eu deixei de ser o narrador e passei a bola para ele, que tratou de contar sua história, de passar em revista sua relação com a ex-namorada, com o trabalho e com o próprio país.
Por que pensou em narrar a história do personagem em forma de carta?
Achei que a carta seria interessante, é uma forma de expor uma determinada visão de mundo. Ao contrário do que possa parecer, um texto extremamente pessoal como uma carta não diz apenas aquilo que o remetente gostaria de revelar. Nunca conseguimos dominar totalmente o que falamos ou escrevemos, sempre acabamos nos entregando um pouco. O fato de o personagem estar isolado, fora do país e sem planos para voltar deu a ele a chance de ser muito sincero, de abrir o jogo, de falar das próprias mazelas. Ele faz muitas acusações à ex-mulher, mas também admite muitos erros.
Sua imagem é muito associada à política. Como avalia o atual cenário do país?
Já cobri campanhas eleitorais e escândalos como o Caso Collor e o Mensalão. Vivemos um momento muito delicado, o que está em jogo é muito mais grave do que a continuidade do governo Dilma. É muito triste ver o Congresso Nacional tranformado, pelos próprios deputados, em estádio de futebol, em palco de guerra de torcidas. A democracia demorou muito tempo para ser conquistada, é fundamental respeitá-la, o que implica também no respeito aos seus ritos e processos. A solução tem que surgir do processo político, mas que seja mais transparente, honesto e menos oportunista.
GISLANDIA GOVERNO
Não é nada fácil entender este Brasil tão torto. Mas a gente consegue alguma ajuda em livros como “Uma selfie com Lenin”, do nosso Fernando Molica. Página após página, ele derruba seu oponente na base da muita porrada, mas sem pressa, levando a briga até o último parágrafo. Cabe ao leitor decidir para que lado vai torcer — ou até mesmo desistir de qualquer torcida. O Brasil, afinal, é uma questão de fé…
“Uma selfie com Lenin” é a carta furiosa de um jornalista para sua ex-mulher e ex-chefe, a quem deve sua fortuna e suas desditas. Inteligente e ambiciosa, Eloísa Blaumsfield era a estagiária que subiu na vida e tornou-se competente assessora de políticos e poderosos. Aprendeu a dançar conforme a música do mercado e fez muito dinheiro distorcendo a realidade. De quebra, leva para seu mundo (corporativo e amoroso) o jornalista idealista, profissional de primeira linha.
Só que ele não tem o mesmo DNA da companheira. As armações políticas em nome de interesses bem particulares não o deixam exatamente feliz. Apesar do sexo bom com a vibrante Eloísa, não é esse tipo do amor eterno que o jornalista-narrador está buscando.
O narrador, afinal, talvez seja o último romântico num contexto geral vergonhoso. Ele quer porque quer um país melhor, limpo, quer pessoas éticas, íntegras, quer o melhor para todos. Não consegue, mas toca sua vida ao lado de Eloísa, até mesmo contribuindo com a lama que atravanca o país. O mercado suga. Alguns gostam, outros não.
Uma hora esse descompasso de lógicas e desejos acaba pesando, pois tudo tem limite quando a alma não é pequena. E ele chega. É aí que vemos como a novela do Molica lida tão bem com as contradições da vida alucinada dos nossos tempos.
Comentar mais que isso pode atrapalhar o prazer da leitura. O narrador escreve sua carta-desabafo em um de seus voos pelo mundo. Ele também circula pelas ruas do Rio, e nem poderia ser diferente. A prosa é acelerada, sem firulas. Entre bons achados, a sequência no Edifício São Borja, na Cinelândia, é puro cinema. Só falta falar.
NELSON VASCONCELOS
Escrita ágil como filme de ação, vai direto ao ponto, sem encher linguiça, parece que coloca o leitor logo no centro do furacão, no meio da tempestade, na crista da onda do tsunami. É basicamente sobre viajar sozinho. A jornada começa desde a compra das passagens feita com cartão de crédito no computador até o embarque no aeroporto, passando pelas fotografias, o caminhar pelas ruas, a observação das pessoas…
Difícil encontrar quem já não tenha passado sufoco em uma viagem de avião. Ainda mais para o Exterior; pior ainda em um lugar onde não dominamos a língua. No aeroporto, aquele saguão gigantesco, onde temos que nos locomover de ônibus de um portão de embarque para outro, nossa, é de dar nos nervos ou de proporcionar lembranças cômicas.
Em “Uma selfie com Lenin” (Editora Record, 112 páginas, R$ 29,90), o escritor Fernando Molica narra a viagem de um jornalista pelo mundo. Uma das várias cenas engraçadas se passa no aeroporto Charles de Gaulle, quando uma paulista, desesperada, sem saber como pegar o ônibus para chegar ao trem que a levaria a Barcelona, dá um grito para um faxineiro do aeroporto: “‘Meu, como pego o trem para Paris?’” Assim mesmo, em paulistês arcaico (…)”.
Depois o autor ainda levanta a tal questão da tecnologia, que parece que veio para nos ajudar, mas quando o sistema sai do ar, é uma trapalhada que pode custar ao passageiro horas de espera e desamparo. Mas o autor até gosta de fazer tudo sozinho: comprar a passagem, imprimir, fazer check-in, dormir… Essa parte nem tanto. O livro é na verdade uma longa missiva para a ex-esposa, também jornalista, sua ex-chefe, para quem ele narra sua viagem e o que aconteceu antes dela, incluindo o relacionamento dos dois e o trabalho – o ex-casal trabalhava junto.
Como todo ex-casal, o narrador sempre trata de dar umas alfinetadas em Eloísa – o nome da ex. “Como serão os aeroportos daqui a uns 20 anos, quando nós, melhor, quando eu estiver velho? (Esqueci que mulheres como você não envelhecem)”.
Outro momento humorístico é quando ele compara Eloísa a um sabão em pó: “aquele que lava mais branco, uma Suíça em forma de gente”. É que Eloísa é assessora de político, daquelas que consegue limpar imagem até de cara mais sujo do que pau de galinheiro.
Homem com toda pinta de inseguro, nosso narrador enaltece a ex como se ela fosse uma dama de ferro, “bonita, charmosa, elegante. (…) sono conquistado graças à dose extra de Clonazepam, (…) air bags químicos que absorvem tantos impactos”.
Bom, nem tão de ferro assim. Mas o narrador é um cara que parece arrependido de ter se bandeado para o lado da politicagem, da jogatina – não que todo assessor de político seja assim – pois ele era um jornalista de reputação ilibada e salário baixo antes de conhecer Eloísa. O fato é que se bandeou e agora foge do passado, do presente, do futuro.
As lembranças de outras viagem durante a atual viagem-fuga desse homem solitário quarentão recorda tempos que os de 20 não sabem nem como é. Tipo levar uma máquina fotográfica analógica com um filme de rolo de 60 poses para passar 30 dias, ou seja, só é permitido ao casal de turistas tirar duas fotos diariamente e ainda assim nem saber se vão ficar boas. Só quando voltarem da viagem.
Na verdade, nosso incrédulo narrador acha que as gerações futuras não terão saco nem de guardar fotografias em álbuns. “Não ficarão nem como registro de época (…) a ausência delas é que marcará uma época onde não haverá passado (…), em que fotos servirão apenas para lembrar do ato de se bater uma foto.”
Nosso narrador-viajante se sente como um personagem de jogo eletrônico 3D, colocado em um mundo de mentirinha onde não conhece ninguém e ninguém o conhece. Ele parece aquele meme de John Travolta em “Pulp Fiction” que anda circulando na internet.
Nós bem sabemos o que uma viagem de mais de sete meses pode fazer por nós. Uma rebobinada na vida em certos momentos, uma boa amnésia dela também cai bem, e oscilamos entre esses dois momentos. Esquecemos para depois lembrarmos quem somos e termos absoluta certeza disso. Não precisa nem ser por tanto tempo nem para tão longe. Qualquer pequena viagem pode fazer muito por nós. Até mesmo aquela que fazemos sem sair do lugar, através de um bom livro.
SAIBA MAIS
AUTOR – Fernando Molica já teve dois de seus livros lançados na Alemanha; foi, por duas vezes, finalista do Prêmio Jabuti; é jornalista e assina uma coluna diária no jornal carioca O Dia.
SERVIÇO
“Uma selfie com Lenin”, de Fernando Molica
Editora: Record (112 páginas)
Preço médio: R$ 29,90
CAROL BOTELHO
Sozinho em pleno voo, enquanto viaja entre dois continentes, um jornalista carioca se ocupa de escrever uma carta. A destinatária é Eloísa, ex-namorada e ex-chefe, poderosa assessora política. Enquanto desbrava a personalidade e a trajetória da mulher, o protagonista deUma selfie com Lenin (Record, 112 pp.; R$ 29,90) passa em revista a própria jornada, desde que era um repórter mal remunerado até se converter em redator a serviço de políticos de caráter duvidoso.
Na missiva, há espaço ainda para ecos de notícias do Brasil, como as manifestações de 2013 e 2014 e o desencanto com o projeto de esquerda para o país. O título assinado pelo escritor Fernando Molica será lançado no dia 5 de abril na Livraria da Travessa de Botafogo (Rua Voluntários da Pátria, 97, Botafogo, Rio de Janeiro/RJ), às 19h.
É raro a literatura refletir tão rapidamente sobre a conjuntura política e gerar imediatamente bons produtos, mas aconteceu. As manifestações de 2013 e 2014, os escândalos de corrupção e como a mídia lida com o poder são temas de dois romances recém-lançados.
Fernando Molica faz questão de explicar que Uma selfie com Lenin não trata diretamente da situação política do país, mas foi influenciado por ela. “A vida dele se mistura com temas mais tradicionais, como a corrupção, e com outros mais recentes, como as manifestações de 2013 e 2014. Na época, assim como acontece agora, é difícil pensar que alguém deixe de ser influenciado por questões mais gerais. Quase todos somos, de um jeito ou de outro, influenciados pelos fatos tão amplos que explodem todos os dias. O personagem não escapou disso”, explica. Problemas profissionais, éticos e amorosos rondam o jornalista que parte em uma viagem e escreve uma carta à ex-namorada e ex-chefe. Foi servindo a políticos que o personagem conseguiu algum sucesso, assim como um certo fardo ético.
Molica tem 55 anos e acompanhou todos os momentos políticos mais importantes do país nas últimas décadas, mas não lembra de uma situação tão grave quanto agora, com tanta radicalização e intolerância. “Nem na Anistia, no Riocentro, nas Diretas Já, no segundo turno entre Collor e Lula”, garante. “O resultado apertado da eleição de 2014, a roubalheira revelada pela Lava Jato, os excessos cometidos pelo juiz Sérgio Moro e oportunismo de políticos e de outros setores da sociedade parecem ter liberado uma raiva que estava represada. É assustador que o país tenha se transformado em um palco de guerra de torcidas, voltamos à lógica do Ame-o ou Deixe-o da ditadura. Democracia pressupõe convivência dos contrários, aceitação das diferenças”.
Para André de Leones, os acontecimentos recentes e da última década alimentam desencanto, medo e impotência. Ele acredita que a resposta da literatura a essa situação nem seja tão rápida assim. “Pelo contrário. Convivemos há mais de uma década não só com escândalos como o do mensalão, mas também com uma crescente radicalização das posições políticas e ideológicas Creio que os autores tiveram bastante tempo para perceber esses fenômenos e refletir sobre eles, cada qual a seu modo”, diz.
Em Abaixo do paraíso, quinto romance do autor, o protagonista é uma espécie de faz tudo para políticos do interior de Goiás. E faz tudo aqui envolve, principalmente, atividades ilícitas. Cristiano é um perdido, foragido, mas que sabe de muita coisa. O personagem encontra, segundo o autor, muitas correspondências no mundo real. “Vejo esse tipo de tarefeiro voejando ao redor dos políticos desde que me entendo por gente. Eles são um sintoma de como a política brasileira opera mais nas sombras e no submundo do que às claras, de como ela é viciada e violenta”, explica Leones.
Que horas ela vai? – O diário da agonia de Dilma, de Guilherme Fiúza, e Impasses da democracia no Brasil, de Leonardo Avritzer, e propõem pílulas de humor e reflexão sobre a situação política brasileira. No primeiro, Fiúza pontua momentos do governo de Dilma Rousseff com comentários ácidos e engraçados. O segundo questiona a maneira de fazer política hoje sem se filiar a ideias de direita ou esquerda.
Uma selfie com Lenin
De Fernando Molica. Record, 112 páginas. R4 29,90
Abaixo do paraíso
De André de Leones. Rocco, 256 páginas. R$ 29,50
Que horas ela vai? – O diário da agonia de Dilma
De Guilherme Fiúza.Record, 96 páginas. R$ 24,90
Impasses da democracia no Brasil
De Leonardo Avitzer. Civilização Brasileira, 154 páginas. R$ 29,90
NAHIMA MACIEL
Daqui de longe, vendo essa gente protestando, tenho a sensação de que o país inteiro se reuniu no Maracanã, no velho Maracanã, não nesse ginásio de NBA em que transformaram meu estádio. É como se todas as torcidas estivessem na arquibancada torcendo para jogadores de todos os times. Isso, jogadores de todos os times do Brasil — Duzentos? Trezentos? Quatrocentos? — estão em campo, disputando e chutando diversas bolas nas mais variadas direções — o gol, como diria aquele velho técnico, passou mesmo a ser um detalhe. Chutam as bolas para a linha de fundo, para as laterais, para o alto, até mesmo para o gol, chutam para lugar nenhum. Juízes roubam descaradamente, mas também apanham, são xingados, espinafrados, há vários sangrando por conta de porradas que, enfim, neles puderam ser desferidas. Bandeirinhas gostosas são carregadas para o fosso que separa o campo da geral. Lá são lambidas, comidas, estupradas. O campo foi invadido, ocupado, torcedores também chutam as bolas, confraternizam com jogadores, os agridem, volta e meia morre alguém. Os bares dos estádios são invadidos e saqueados, mija-se por todo canto, caga-se na tribuna de honra. Em algum centro de controle que exibe imagens de altíssima definição captadas por milhares de câmeras, seus políticos e empresários estarão perplexos, pasmos, sem saber o que fazer para conter aquela fúria. Cobrarão providências, atitudes. Emitir uma nota oficial? Convocar uma entrevista coletiva? Ligar para o prefeito, para o governador, para o Planalto? Porra, foi para isso que investimos tanto nas campanhas de vocês, que fizemos alianças? Cadê a nossa segurança, onde estão os nossos direitos? O que devemos fazer, Eloísa Blaumsfield? Hein, Eloísa Blaumsfield? Algum gaiato sugerirá a solução hollywoodiana de fugir para o Rio — mas vocês já estão no Rio, cercados de gente e de raiva e de medo por todos os lados. Não consigo deixar de lembrar de uma música do Chico, gravada pela Elba, aquela em que a mulher conta para o marido rico que tivera um sonho terrível, que a multidão se revoltava contra ele, que o matava, o esfolava. Descemo a ripa, viramo as tripa, comemo os ovo. Mas você saberá manter a calma, a linha, a pose. Diante do desespero, dos planos de fuga, das atualizações de saldos bancários na Suíça e naquelas ilhotas de nomes esquisitos, você exigirá tranquilidade, saberá fazer valer cada ruga acumulada no rosto e imobilizada por sucessivas e mensais injeções de botox. Vai impor a leveza de seus escarpins de sola vermelha, a barriga negativa, os cabelos que, flapt, flupt, enfatizam e emolduram cada leve balançar de cabeça. Sua voz sairá firme, implacável, sem qualquer tremor — você deve injetar botox até na voz, voz que nunca treme, rígida e, ao mesmo tempo, doce e imperativa. É você que levará tranquilidade para aqueles safados, que dirá calma, que exigirá uma postura mais serena de todos eles.
Este livro está à venda nas melhores livrarias do mercado. Mas, para facilitar a sua compra, você também encontra o livro em algumas lojas virtuais.
Livraria SaraivaLivraria TravessaLivraria da Vila